LEÓN FERRARI: ENTRE DITADURAS
O MASP tem um acervo significativo de obras do argentino León Ferrari (1920-2013), que foi doado ao museu pelo próprio artista. Inclui heliografias, uma série de trabalhos em fotocópias, assim como duas pinturas, duas esculturas e um objeto. A maioria deles – com exceção de dois trabalhos preliminares dos anos 1960 – foi produzida durante o período de seu exílio de quinze anos em São Paulo.
Ferrari chegou ao Brasil em 1976, tendo escapado de Buenos Aires no auge da “guerra sucia” [guerra suja], que devastava seu país natal. Já nessa época, ele tinha um extenso currículo como artista, inclusive como participante ativo nos movimentos conceituais de vanguarda que emergiram em Buenos Aires e Rosário durante os anos 1960. Os trabalhos que Ferrari produziu no Brasil mantiveram sua crítica aos regimes ditatoriais e à maneira como eles exercem controle sobre a população, regulando cada aspecto da vida. As obras presentes nesta exposição abordam esses assuntos por meio de diferentes procedimentos estéticos, conceituais e materiais. A primeira série, que se relaciona com seus livros de artista Homens e Imagens, e também com suas Heliografías, recorre à linguagem visual do desenho técnico e arquitetônico para representar os vários aparatos ideológicos impostos pelo Estado para controlar sistematicamente o dia a dia do cidadão. O segundo grupo de obras – que inclui as imagens relacionadas a seu livro de artista Parahereges, bem como aquelas feitas para outra série, Releitura da Bíblia – aborda religião e Igreja, criticando suas posições conservadoras a respeito de sexualidade e preceitos sociais.
Os trabalhos em gravura e fotocópias revelam o contexto no qual Ferrari trabalhava sob ditaduras tanto na Argentina quanto no Brasil. Durante sua permanência no Brasil, em tempos de instabilidade política e econômica, ele esteve em contato com artistas que se interessavam pelo potencial das artes gráficas, já que seu baixo custo e reprodutibilidade garantiam maior mobilidade e distribuição. Este círculo de artistas — Carmela Gross, Hudinilson Júnior (1957-2013), Regina Silveira e Julio Plaza (1938-2003), que, na época, trabalhavam com heliografia, fotocópia, microfilme e letraset, pode tê-lo influenciado nesse sentido.
Os trabalhos gráficos de León Ferrari que integram a coleção do MASP são representativos dos importantes rumos que sua obra tomou durante seus anos de exílio entre duas ditaduras.
Curadoria de Julieta González, curadora adjunta de arte moderna e contemporânea; e Tomás Toledo, curador.