No Martins (São Paulo, 1987) traz em sua obra olhares provocativos e politizados para a pintura contemporânea. A pintura, essa linguagem tão antiga e presente em distintas sociedades, que por séculos se renova no chamado sistema das artes, possibilita a criação de imagens que geram desde reflexões pessoais a dilemas coletivos. Na obra Senhora Injustiça (2017), No Martins usa o tríptico, um formato clássico da pintura, que geralmente é associado às pinturas religiosas ou a propostas narrativas, para fazer uma crítica social. No tríptico contemporâneo de No Martins temos ao centro o seu próprio autorretrato. Com o cabelo ao redor do rosto, seus olhos são vendados. Uma mão em contorno vermelho pausa sobre sua boca, reforçando o silenciamento de sua voz. Sua face não vê e não fala, dois elementos que flertam com a alegoria da justiça e seu papel de, na busca por garantir o equilíbrio social e o bem estar para todos, não ser influenciada por julgamentos externos. Porém, infelizmente tal justiça não é alcançada em uma sociedade cuja desigualdade é parte de sua base. No Martins aponta que os mesmos argumentos que compõem a justiça também geram o seu oposto. A Senhora Injustiça se mantém passiva perante as situações de abuso e violência policial presentes em suas laterais; os uniformes e denunciam também a origem paulista. As duras cenas cotidianas e o descaso com a vida de alguns parecem normalizados por esta instituição social que deveria prezar por justiça. Seria a justiça realmente justa? É necessário dar nome e imagem para o que ocorre no mundo. E, aparentemente, esses são alguns dos princípios que movem No Martins em suas produções.
— Luciara Ribeiro, mestre em História da Arte, Unifesp, e Universidade de Salamanca, Espanha, 2021
Por Leandro Muniz
Em ‘Senhora Injustiça’, No Martins usa a estrutura do tríptico —um formato clássico
da pintura religiosa— para discutir a violência policial na cidade, em especial contra
jovens negros, como o próprio artista. Na imagem da esquerda, 5 viaturas e 5
policiais apontam suas armas para a tela central, na qual há um autorretrato em
preto e branco com o cabelo enrolado ao redor do rosto. Os olhos cobertos são uma
paródia da alegoria da justiça, representada como uma figura feminina branca
vendada, indicando que “a justiça é cega”. Sobre a boca do artista, está desenhado
o contorno de uma mão, evocando silenciamento e, abaixo de seu rosto, o número
de seu RG. Códigos de barras, retiradados de ingressos de um museu no qual o
artista trabalhou, estão alinhados na parte inferior da pintura. A articulação entre a
imagem do rosto, da mão e o número do RG também refere-se às abordagens
policiais, em que os revistados apresentam seus documentos e permanecem
calados. Na tela da direita, pessoas são rendidas contra viaturas, camburões e
deitadas no chão. A sequência das três telas produz uma narrativa sobre a violência
do início, meio e fim das abordagens policiais, porém, a serenidade do autorrretrato
contrasta com a turbulência das imagens nas laterais. ‘Senhora injustiça’ denuncia o
que Martins chama de “catracas sociais”, impedimentos para a circulação de
pessoas negras e pobres pela cidade e pelos espaços culturais.
— Leandro Muniz, assistente curatorial MASP, 2022
Por Leandro Muniz
Em Senhora Injustiça, No Martins usa a estrutura do tríptico—um formato clássico da pintura religiosa—para discutir a violência policial na cidade, em especial contra jovens negros, como o próprio artista. Na imagem da esquerda, cinco viaturas e cinco policiais apontam suas armas para a tela central, na qual há um autorretrato em preto e branco com o cabelo enrolado ao redor do rosto. Os olhos cobertos são uma paródia da alegoria da Justiça, representada como uma figura feminina branca vendada, indicando que "a Justiça é cega". Sobre a boca do artista, está desenhado o contorno de uma mão, evocando silenciamento e, abaixo de seu rosto, o número de seu RG. Códigos de barras, retirados de ingressos de um museu no qual o artista trabalhou, estão alinhados na parte inferior da pintura. A articulação entre a imagem do rosto, da mão e o número do RG também refere-se às abordagens policiais, em que os revistados apresentam seus documentos e permanecem calados. Na tela da direita, pessoas são rendidas contra viaturas, camburões e deitadas no chão. A sequência das três telas produz uma narrativa sobre a violência do início, meio e fim das abordagens policiais, porém, a serenidade do autorretrato contrasta com a turbulência das imagens nas laterais. Senhora injustiça denuncia o que Martins chama de "catracas sociais", impedimentos para a circulação de pessoas negras e pobres pela cidade e pelos espaços culturais.
— Leandro Muniz, assistente curatorial MASP, 2022