O seminário Histórias latino-americanas destaca as contribuições de mulheres e artistas não binários da América Latina e do Caribe, especialmente em relação ao Atlântico Negro. Busca desenvolver novos marcos interpretativos que reflitam a complexidade e a pluralidade das histórias da arte globais, envolvendo-se de maneira crítica com narrativas moldadas por hierarquias de gênero, raça e classe. O seminário também aborda a dinâmica transcultural nas Américas, os silêncios e ausências dos arquivos e as formas como as metodologias criativas intervêm para reimaginar e contestar as estruturas dominantes.
Este é o terceiro seminário de uma série que apoia o programa de 2026 do MASP, dedicado às histórias latino-americanas. Esta edição, concebida juntamente com a organização AWARE: Archives of Women Artists, Research & Exhibitions, reúne, em um diálogo transnacional, pesquisadores, curadores, ativistas e artistas da região da América Latina e do Caribe, bem como de suas diásporas nos Estados Unidos.
Fundada em 2014, a AWARE trabalha para tornar visíveis as mulheres artistas dos séculos 16 a 21. Atualmente, seu recurso online trilíngue (francês/inglês/japonês) gratuito inclui 1,4 mil textos biográficos e atrai até 180 mil acessos mensais. A AWARE representa uma diversidade de vozes, com contribuições de cerca de 500 pesquisadoras, historiadoras de arte feministas, críticas e ativistas de todo o mundo. Este seminário colaborativo é realizado em diálogo com iniciativas de pesquisa de médio prazo lideradas pela AWARE, como The Origin of Others. Rewriting Art History in the Americas, 19th Century–Today e o programa de residência Marie-Solanges Apollon.
O MASP é uma instituição diversa, inclusiva e plural, comprometida em promover diálogos críticos e criativos entre o passado e o presente, culturas e territórios por meio das artes visuais. O programa anual do Museu é organizado em torno de histórias. Em português, o termo histórias é intencionalmente aberto, plural, inacabado e não totalizante, abrangendo narrativas políticas, econômicas, sociais, pessoais e ficcionais. Esse marco conceitual estrutura tanto as exposições quanto os Programas Públicos e de Ensino do MASP, incluindo seus seminários.
Os seminários introduzem, estimulam e divulgam debates relacionados a esses eixos temáticos, colocando a pesquisa curatorial em um diálogo estreito com a prática pedagógica. No MASP, os seminários acontecem entre um e dois anos antes da exposição, servindo como plataforma inicial para o debate público. Eles são realizados online ou de forma presencial e são sempre transmitidos no canal do Museu no YouTube.
21.1.2026
Quarta-feira
10H30 – 10H45
Introdução
Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP
Nina Volz, chefe de Programas Internacionais, AWARE
10H45 – 13H
OCHY CURIEL
Epistemologias decoloniais. Entre instituições as museológicas e as autonomias políticas
Nesta apresentação, proponho problematizar as tensões que surgem quando as epistemologias decoloniais são cooptadas por instituições, incluindo museus, que apoiam um multiculturalismo liberal que celebra a diferença, mas não desconstrói as relações de poder coloniais. Depois disso, apresentarei a experiência das escolas feministas decoloniais realizadas pelo Grupo Latinoamericano de Estudios, Formación y Acción Feminista (Glefas) em diferentes locais de Abya Yala como propostas autônomas que concretizam a decolonização do conhecimento.
ANGÉLICA M. SÁNCHEZ BARONA
Manuais de história natural e pintura no Vice-reino de Nova Granada: apagando e construindo a África em outras terras
A segunda metade do século XVIII testemunhou a consolidação do que então se chamava “história natural” – um marco científico que legitimou a hierarquização da humanidade ao incorporar estereótipos construídos por meio da alteridade. Nesta apresentação, analiso as ideias naturalistas que circularam nesse período sobre a África e seus habitantes, bem como sobre as regiões de planície do Vice-reino de Nova Granada, uma colônia espanhola no continente americano que abrangia o que atualmente são Colômbia, Panamá, Equador e Venezuela. Ao estudar as alegorias da África encontradas em manuais de desenho e pintura, bem como as descrições feitas por naturalistas dos territórios que visitaram, esta pesquisa mostra como a interação da cultura visual com a história natural contribuiu para a perpetuação de imagens e imaginários nocivos – tanto dos corpos das mulheres negras quanto dos territórios com populações predominantemente afrodescendentes nos países latino-americanos que faziam parte do vice-reinado.
ALINE MIKLOS
Censura e arte no Brasil e na Argentina após a redemocratização: quando gênero e religião entram em conflito
Quarenta anos após o fim das ditaduras militares no Brasil e na Argentina, práticas de censura a obras de arte continuam presentes, frequentemente motivadas por disputas políticas, religiosas e de gênero. Este trabalho analisa casos do século 21 em que produções artísticas foram censuradas ou sofreram tentativas de censura, por abordarem relações entre gênero e a religião católica. A pesquisa parte da identificação de episódios ocorridos em ambos os países e da análise comparada de seus contextos sociais, jurídicos e institucionais. A metodologia combina levantamento documental, revisão de debates públicos e exame das estratégias narrativas empregadas por artistas e por atores censores. Os resultados indicam que, apesar da consolidação democrática, a controvérsia em torno das representações de gênero vinculadas ao imaginário católico permanece como uma área sensível; da mesma forma, revelam tensões persistentes relacionadas à liberdade de expressão, à memória autoritária e a disputas contemporâneas por legitimidade cultural.
Mediação: Nina Volz, AWARE
13H – 14H30
Intervalo
14H30 — 16H45
KENCY CORNEJO
Arte centro-americana: desobediência visual e outras formas de histórias da arte
Há muito tempo, a região da América Central tem sido ofuscada por suas histórias de colonialismo e por ser um alvo do império dos EUA. Consequentemente, as representações populares do istmo reforçam uma narrativa de tragédia e vitimização. Ao mesmo tempo, suas narrativas artísticas foram excluídas dos cânones dominantes da história da arte. No entanto, para além da omissão, qual é a correlação entre o apagamento da criatividade de um povo e a negação da humanidade de um povo? Um debate sobre a colonialidade visual serve como preparação para uma teorização da desobediência visual como uma tática de resistência na região centro-americana do pós-guerra. Por meio da desobediência visual – como um desafio tanto aos Estados-nação quanto à colonialidade visual –, os artistas teorizam e expõem as questões mais prementes da região na interseção de raça, gênero, sexualidade, cidadania e criminalização. O foco dado a artistas negros, indígenas, não binários e mulheres nesse contexto revela intervenções epistêmicas e políticas, e a possibilidade de outras formas de histórias da arte.
ERICA MOIAH JAMES
Fora da vista: arquiteturas iluminadoras da visibilidade e do significado nos retratos haitianos do século 19 de autoria de Louis Rigaud
Esta apresentação analisa como as mudanças nas abordagens disciplinares aplicadas aos retratos de líderes haitianos do século 19, produzidos pelo artista Louis Rigaud (pinturas históricas, objetos etnográficos e arte moderna), transformaram seu valor em termos de pesquisa, exposição e coleção. No processo, a apresentação revela o que se torna visível para além das fronteiras disciplinares ocidentais da história da arte, ao mesmo tempo em que modela uma forma mais prismática de se ver.
DANIELLE ALMEIDA
Por uma epistemologia laríngea: Exu e arte na voz das cantoras negras latino-americanas
Este trabalho propõe uma reflexão sobre o protagonismo das cantoras negras na música latino-americana do século 20, compreendendo suas vozes como um estatuto epistêmico de memória, resistência e produção de sentido estético e político. Para sustentar essa abordagem, a pesquisa mobiliza a figura de Exu, orixá iorubá ressignificado no contexto diaspórico, associado à comunicação e ao ritmo, como fundamento conceitual de uma “epistemologia laríngea”. Nessa perspectiva, a laringe – enquanto espaço físico e simbólico da emissão vocal – é compreendida como um meio de articulação entre corpo, cultura e espiritualidade, no qual canto e fala operam como veículos de axé (força vital) e ofó (poder encantatório da palavra). Assim, a voz dessas artistas é analisada como arma-ferramenta capaz de tensionar e denunciar opressões coloniais, racistas e patriarcais. Ressalta-se que, embora a pesquisa utilize referenciais iorubás como perspectiva analítica, não se pretende homogeneizar as diversas matrizes culturais da América Latina, ao analisar as trajetórias e os repertórios de Toña La Negra (México), Mercedita Valdés (Cuba), Elza Soares (Brasil) e Victoria Santa Cruz (Perú), como arquivos vivos da diáspora negra.
Mediação: Glaucea Helena de Britto, curadora assistente, MASP
17H — 18H
Conferência
COCO FUSCO
Como uma mulher fala por si mesma quando representa uma nação?
Minha apresentação terá como tema artistas afro-cubanas e as condições específicas que elas enfrentam. Embora o meu foco seja nos artistas visuais, é essencial reconhecer que as representações icônicas de cubanos e cubanas negros surgiram na literatura e, depois, foram popularizadas nas artes cênicas, no cinema e no turismo. Descreverei as restrições históricas e políticas que impactaram o tratamento artístico da identidade racial e de gênero em Cuba nas últimas décadas, a fim de compreender como a revolução produziu os parâmetros de uma expressão criativa aceitável. Mostrarei como a descriminalização da religião, as dificuldades econômicas que se iniciaram na década de 1990 e a explosão do turismo nos últimos 30 anos afetaram as escolhas artísticas dos artistas afro-cubanos, em geral, e das mulheres afro-cubanas, em particular. Na minha apresentação considerarei obras de artistas como Belkis Ayon, Magdalena Campos, Gertrudis Rivalta, Susana Pilar e Laura Gilbert.
Mediação: Amanda Carneiro, curadora, MASP
ALINE MIKLOS
Aline Miklos é pesquisadora e gestora de programas, com atuação internacional em direitos humanos, direitos culturais, justiça de transição e garantias do Estado de direito. Doutora em Direito e Ciências Sociais e mestre em História da Arte pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), desenvolveu sua trajetória com foco na liberdade de expressão e de criação artística, censura, questões relacionadas ao gênero e às minorias étnico-raciais. Além da atuação acadêmica, Aline tem mais de dez anos de experiência na área de direitos humanos e, atualmente, é coordenadora de Advocacy e Garantias do Estado de Direito no Instituto Vladimir Herzog.
ANGÉLICA M. SÁNCHEZ BARONA
Historiadora, economista e historiadora da arte especializada em história colonial, história das artes e culturas do século 18, feminismos afrodiaspóricos e interseccionalidade. É doutoranda em Estudos Africanos e Afro-Americanos na Universidade de Harvard e vinculada ao Afro-Latin America Research Institute (Alari) de Harvard e ao grupo de pesquisa Interseccionalidades da Associação Casa Cultural El Chontaduro em Cali, Colômbia. É coeditora (com Vergara-Figueroa e de la Fuente) da coleção Afro-Colombian Studies: Essential Readings (2025) e publicou artigos e capítulos de livros como “Instruments of Persuasion: Painting Manuals and the Visual Construction of Africa and Africans in the Viceroyalty of New Granada, Eighteenth Century” [Instrumentos de persuasão: manuais de pintura e a construção visual da África e dos Africanos no Vice-reino de Nova Granada, século XVIII] (2024), e “I Am Free, I Come to Enslave Myself! 1976” [Sou livre, venho me escravizar! 1976] (2019). Atualmente, ela é vinculada ao Dumbarton Oaks Research Center, que lhe concedeu a William R. Tyler Fellowship para o período 2024-2026.
COCO FUSCO
Coco Fusco é uma artista e escritora interdisciplinar. Ela é membro da Academy of Arts and Letters e professora de arte na Cooper Union. Fusco recebeu vários prêmios, incluindo uma Guggenheim fellowship, uma United States Artists fellowship, uma Fulbright fellowship e um Herb Alpert Award in the Arts. As performances e vídeos de Fusco foram apresentados na 56ª Bienal de Veneza, Frieze Special Projects, Basel Unlimited, três Whitney Biennials (2022, 2008 e 1993) e em várias outras exposições internacionais. Suas obras fazem parte dos acervos permanentes do Museum of Modern Art, do Art Institute of Chicago, do Walker Art Center, do Centre Pompidou, do Imperial War Museum e do Museu d’Art Contemporani de Barcelona. Fusco é autora de Dangerous Moves: Performance and Politics in Cuba (2015), English is Broken Here: Notes on Cultural Fusion in the Americas (1995), The Bodies that Were Not Ours (2001) e A Field Guide for Female Interrogators (2008).
DANIELLE ALMEIDA
Danielle Almeida atua na interseção entre arte, educação e gestão estratégica, desenvolvendo projetos voltados à justiça econômica e racial na América Latina. É graduada em Música pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e mestra em Ciências da Educação pela Universidade de Monterrey (UDEM, México). Entre outras atuações, foi docente e pesquisadora convidada do Programa de Estudos Independentes do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (Macba) e pesquisadora da Academy of the Arts of the World, na Alemanha. Com foco em políticas de inclusão e ações afirmativas para populações negras, coordenou o primeiro estudo sobre o perfil do afroempreendedorismo na América Latina. Atualmente, é gerente de Conteúdo e Desenvolvimento Institucional no Museu das Favelas.
ERIKA MOIAH JAMES
Erica Moiah James é historiadora de arte, curadora e professora associada da University of Miami. Anteriormente, ela foi diretora-fundadora e curadora-chefe da National Gallery of the Bahamas e professora assistente de história da arte e estudos afro-americanos na Yale University. Suas pesquisas têm como foco a arte indígena, moderna e contemporânea do Caribe, das Américas e da diáspora africana. Suas publicações incluem Decolonizing Time: Nineteenth Century Haitian Portraiture and the Critique of Anachronism in Caribbean Art (NKA2019); La Luz de Cosas / The Light of Things (El Museo2023), e “Prismatic Blackness: Art, Being and Aesthetics in the Global Caribbean” (2024) em Image of the Black in Latin American and Caribbean Art (HarvardUP2024). E seus projetos curatoriais recentes incluem Didier William: nou kite tout sa dèyè (MoCA-NoMi) e Nari Ward: Home of the Brave (Vilcek Foundation). Seu livro mais recente é intitulado After Caliban: Caribbean Art in a Global Imaginary (DUP 2025).
KENCY CORNEJO
Kency Cornejo é historiadora de arte contemporânea e ativismo nas Américas. Ela é professora associada do Department of Chicana/o & Central American Studies da University of California, Los Angeles (UCLA). Suas especializações em pesquisa e ensino incluem arte e cultura visual da América Central e suas diásporas, expressões criativas em movimentos sociais anticoloniais e antirracistas, e estética e metodologias decoloniais no campo da arte. Seu livro Visual Disobedience: Art and Decoloniality in Central America (Duke University Press, 2024) explora três décadas de arte e decolonialidade na região e ganhou o Association for the Study of the Arts of the Present (ASAP) Book Prize de 2025. Seu trabalho contou com o apoio das Fundações Fulbright e Ford, uma Andy Warhol Foundation Arts Writers Grant e uma National Endowment for the Humanities Faculty Award Grant. Kency Cornejo é filha de imigrantes salvadorenhos e foi criada em Compton, Califórnia.
OCHY CURIEL
Ochy Curiel Pichardo nasceu na República Dominicana e vive na Colômbia. Ela é ativista feminista decolonial, cofundadora do Grupo Latinoamericano de Estudios, Formación y Acción Feminista (Glefas). É doutora e mestra em Antropologia Social pela Universidad Nacional de Colombia e professora da mesma universidade. Ela é cantora e compositora, além de ter escrito vários artigos nos quais articula raça, classe, sexo, sexualidade e nação. Entre suas publicações, destacam-se os livros: La Nación Heterosexual, Análisis del Discurso jurídico y el Régimen Heterosexual desde la Antropología de la Dominación (2013) e Un Golpe de Estado: la Sentencia 168-13. Continuidades y discontinuidades del racismo en República Dominicana (2021). Foi convidada como oradora de eventos realizados em diferentes continentes e obteve diversas espécies de reconhecimento, como a Distinção Honorária da Sociologist for Women in Society (SWS), por suas contribuições políticas e teóricas (2022) e por sua excelência no ensino pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidad Nacional de Colombia (2016).