Ao longo do tempo, um mito romântico foi construído em torno da vida e obra do célebre pintor pós-impressionista Vincent van Gogh (1853-1890). Sua produção singular e profundamente original foi frequentemente interpretada como a expressão de um “gênio louco”, entrelaçando suas inovações estéticas com os desafios psíquicos que enfrentou. O seminário Van Gogh delirante convida renomados historiadores da arte e curadores a refletir sobre a relação entre a condição de saúde mental e a produção artística de Van Gogh.
Nas últimas décadas, a historiografia da arte tem se dedicado a investigar como concepções históricas da loucura influenciaram a associação entre transtornos mentais e imaginação artística, relacionada à ideia de “gênio artístico”. A obra de Van Gogh é emblemática nesse sentido, despertando interesse contínuo pelas complexas relações entre arte, cultura e “loucura”.
O MASP possui quatro importantes pinturas do artista, realizadas em seus últimos anos de vida. Três delas foram produzidas durante sua internação no asilo de Saint-Rémy: Passeio ao crepúsculo (1889-90), Banco de pedra no asilo de Saint-Rémy (1889) e A arlesiana (1890). O escolar (O filho do carteiro-Gamin au Képi) (1888) foi pintado em Arles, um ano antes de sua internação. Esses trabalhos pertencem ao período mais prolífico de Van Gogh, quando suas pinceladas intensas e cores vibrantes se tornaram ainda mais marcantes, ao mesmo tempo em que suas crises de saúde mental ficavam mais frequentes e severas.
Van Gogh delirante promove o debate de questões prementes sobre a relação entre arte e loucura na obra do artista, constituindo também um evento preparatório para a exposição dedicada a Van Gogh que ocorrerá em 2027 no MASP. A coordenação do seminário é de Glaucea Helena de Britto, curadora assistente, MASP.
ORGANIZAÇÃO
Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP, e Fernando Oliva, curador, MASP, com assistência de Isabela Ferreira Loures, assistente curatorial, MASP
COORDENAÇÃO
André Mesquita, curador, MASP, Bruna Fernanda, assistente curatorial, MASP, e Glaucea Helena de Britto, curadora assistente, MASP
TRANSMISSÃO AO VIVO
O seminário será online, transmitido ao vivo pelo canal do MASP no YouTube. As falas serão traduzidas simultaneamente para o português e o inglês, com interpretação em Libras.
Para receber o certificado de participação, é necessário assinar a lista de presença que será disponibilizada por meio de um link fornecido durante o seminário.
22.10.2025
11h-11h10
INTRODUÇÃO
Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP
11h10-13h
Mesa-redonda
LAURA PRINS
Os riscos de ser artista: Vincent van Gogh e a ideia do gênio louco no século 19
Após o chocante incidente da mutilação de sua orelha, Van Gogh acreditava que provavelmente havia sofrido “um simples ataque de loucura de artista” – isso era apenas um aspecto da profissão. No século 19, era comum a crença de que gênio e loucura estavam relacionados. Porém, o significado exato desse relacionamento variava. Os médicos clínicos (os psiquiatras avant la lettre) quiseram investigar a natureza do gênio e buscaram determinar se ele poderia ser associado a doenças mentais; qual seria o papel da imaginação e se existiria mesmo uma relação direta de causa e efeito entre criatividade e saúde mental. Os artistas, por outro lado, que se esforçavam para se tornarem gênios, perguntavam-se o quanto deveriam sofrer por sua arte e como poderiam lidar com as pressões de seu trabalho. Esta apresentação irá explorar como o próprio Van Gogh percebia suas dificuldades entre trabalho e bem-estar e como lidava com elas, em comparação com as ideias de sua época sobre a suposta relação entre gênio e loucura.
ALLISON PERELMAN
O olho da mente: a série Reminiscência de Brabante de Van Gogh
Entre março e abril de 1890, Vincent van Gogh pintou três telas que intitulou Reminiscência de Brabante (Museu Van Gogh, Amsterdã; Fundação Barnes, Filadélfia; coleção particular). Elaborada a partir da sua imaginação e memórias de juventude, essa série marcou o auge de um debate de anos travado entre o artista e seus pares sobre a questão da pintura “de tête” (“de cabeça”), em oposição à observação direta. Tendo defendido de maneira apaixonada ambos os lados e experimentado com ambas as técnicas, com tais obras Van Gogh finalmente obteve uma interpretação satisfatória em termos pessoais dessa preocupação vanguardista, ao evocar um local que ele associava ao conforto e à estabilidade. De modo notável, essa realização seguiu-se imediatamente ao seu mais prolongado episódio de saúde mental – como ele afirmou, “enquanto a minha doença estava em seu pior momento” –, e a série atesta sua confiança renovada e sua experimentação criativa permanente. Reminiscência de Brabante demonstra os esforços de Van Gogh para tomar a si mesmo como modelo com relação à sua identidade artística, à sua identidade nacional e à sua identidade social como um indivíduo capaz e saudável.
SIMON KELLY
O último médico de Van Gogh
Esta fala enfoca a relação entre Vincent van Gogh e seu último médico, Paul Gachet, que o tratou nos últimos dois meses de sua vida, em Auvers. Analisa o histórico do médico no tratamento de doenças mentais e nas publicações sobre a melancolia, além de situar sua abordagem de tratamento no contexto das atitudes mais gerais em relação às doenças mentais no final do século XIX. Como a formação de Gachet fundamentou o tratamento oferecido a Van Gogh, e o que nós sabemos sobre seus diagnósticos e prescrições para Van Gogh? Gachet pode ser, de alguma maneira, considerado responsável pelo suicídio de Van Gogh? A apresentação examina os repetidos encontros ou sessões entre os dois homens e reflete sobre as imagens feitas por Van Gogh do doutor Gachet, da filha de Gachet, Marguerite, bem como da casa e do jardim do médico. A fala baseia-se na pesquisa sobre os artigos de Gachet, guardados no Instituto Wildenstein Plattner.
Mediação: Fernando Oliva
13h—14h30
Intervalo
14h30—16h
Mesa-redonda
RENSKE COHEN TERVAERT E BENNO TEMPEL
Van Gogh: Forças invisíveis visualizadas
As reflexões apresentadas nessa fala terão como foco a técnica de pintura de Vincent van Gogh de maneira relacionada ao clima típico da Provença. Condições meteorológicas como o intenso calor do verão e o mistral (um vento catabático frio e seco, que sopra na direção norte-noroeste no vale do rio Ródano e nas regiões costeiras do sudeste de França) têm efeitos profundos no bem-estar das pessoas que vivem nessa região. Em suas cartas, Van Gogh menciona o efeito dessas condições sobre seu humor e como elas são um desafio para ele, um pintor de ambientes externos. No entanto, sua obra evidencia o fato de que ele utiliza artisticamente as forças naturais em benefício próprio. As linhas e cores delirantes que foram relacionadas à sua loucura podem ser interpretadas como a visualização dessas forças invisíveis, como vibrações no ar, turbulência etc.
MARTIN BAILEY
Van Gogh no asilo
Como era a vida de Van Gogh no asilo de Saint-Paul-de-Mausole – e que impacto isso teve em sua arte? Um registo pouco estudado de internados do século 19 oferece uma visão única sobre seus “companheiros de infortúnio”, como ele coloca. E que efeito tiveram seu ambiente e seu estado mental sobre sua arte? Durante cerca de um terço do seu período de internamento, ele estava se recuperando de graves crises mentais. Em outro terço, fez versões pintadas de gravuras de outros artistas e, depois, suas “memórias do Norte”. Porém, no restante deste período, ele finalizou algumas de suas melhores paisagens, juntamente com naturezas-mortas e retratos. Como a arte que produziu durante aquele ano se compara com o que veio antes e com o que veio depois?
Mediação: Laura Cosendey
16h-17h30
Mesa-redonda
FELIPE MARTINEZ
Retratos como aparições: crise e lucidez em Arles e Saint-Rémy
Tendo como base trechos das cartas de Van Gogh e duas de suas pinturas presentes no acervo do MASP, O escolar e A arlesiana, a palestra tratará da produção de retratos do pintor durante os anos em que viveu em Arles e Saint-Rémy. Ao longo desse período, o artista enfrentou dificuldades pessoais e problemas de saúde mental. Isso não o impediu, contudo, de produzir retratos que, como escreveu em carta à irmã, “um século mais tarde surgissem para as pessoas de então como aparições”. A apresentação mostrará como essas obras combinam intensidade e estrutura, de modo a entender como a produção de retratos de Van Gogh prova que, mesmo nos momentos de crise aguda, o artista seguiu um programa lúcido de construção de uma pintura essencialmente moderna.
Mediação: Isabela Ferreira Loures
FELIPE MARTINEZ
Felipe Martinez é doutor em História da Arte pela Unicamp, com pós-doutorado no MAC USP e na Universidade de Amsterdã. Atua como professor na Universidade de Leiden, na Holanda, na pós-graduação da PUC-SP e no MASP, onde ministra cursos regulares há mais de uma década. É autor de O Escolar, de Vincent van Gogh, publicado pela Edusp, e tradutor de Cartas a Theo, publicado pela Editora 34.
LAURA PRINS
Laura Prins, é professora de História da Arte na Universidade de Utrecht e obteve seu doutorado com uma tese sobre a história da relação entre criatividade e doença mental (Amsterdam UMC). Anteriormente, trabalhou como curadora e pesquisadora em diversos museus. Em 2015 e 2016, por exemplo, foi pesquisadora do projeto On the Verge of Insanity: Van Gogh and His Illness no Museu Van Gogh. Prins publica de forma regular textos sobre Van Gogh, arte do século 19 e interseções da arte com a medicina.
MARTIN BAILEY
Martin Bailey vive em Londres e é autor de Starry Night: Van Gogh at the Asylum (2018). Também escreveu outros livros sobre o período em que o artista viveu em Arles e Auvers-sur-Oise, assim como um livro sobre os Girassóis e outras publicações. Bailey mantém um blog semanal com base em novas pesquisas sobre Van Gogh no The Art Newspaper. Foi curador de exposições na Barbican Art Gallery de Londres (1992), na Compton Verney/National Gallery of Scotland (2006) e no Tate Britain (2019).
RENSKE COHEN TERVAERT E BENNO TEMPEL
Renske Cohen Tervaert é curadora do Kröller-Müller Museum, em Otterlo, Países Baixos. É mestre em História da Arte pela Universidade de Amsterdã. Especializou-se nas artes visuais do final do século 19 e início do século 20, com interesse específico em Vincent van Gogh, na história do colecionismo e no mercado de arte internacional.
Benno Tempel é diretor do Kröller-Müller Museum, em Otterlo, Países Baixos. Entre 2009 e 2023, foi diretor do Kunstmuseum Den Haag, que inclui o Hague Museum of Photography e o KM21, um museu de arte contemporânea. Em 2019, foi curador do Pavilhão Holandês da Bienal de Veneza. Iniciou sua carreira como curador assistente (1997-2000) no Museu Van Gogh, em Amsterdã, e retornou no período 2006-2008 como curador de exposições.
SIMON KELLY
Simon Kelly é curador e chefe do Departamento de Arte Moderna e Contemporânea do Saint Louis Art Museum. Ele escreveu extensivamente sobre arte francesa do século 19 e início do século 20, em particular sobre a pintura impressionista e da escola de Barbizon. É autor ou coautor de vários catálogos de exposições, incluindo Millet and Modern Art: From Van Gogh to Dalí; Degas, Impressionism and the Paris Millinery Trade; e Impressionist France: Visions of Nation from Le Gray to Monet. Seus escritos também incluem Théodore Rousseau and the Rise of the Modern Art Market (Bloomsbury Academic) e inúmeros artigos acadêmicos, que frequentemente abordam pintura de paisagem e mercados relacionados à cultura.