Van Gogh adquiriu interesse pela pintura trabalhando para o marchand Goupi, na Holanda e em Londres. Posteriormente, dedicou-se à carreira religiosa entre os mineiros pobres da Bélgica, até ser demitido por apoiar as lutas dos trabalhadores. Lá, começou a pintar e fez sua primeira obra notável, Os comedores de batatas (1885). No ano seguinte, em Paris, iniciou estudos da técnica impressionista e das estampas japonesas. Em seguida, mudou-se para Arles, no sul da França, onde iniciou uma série de trabalhos de luminosidade esplêndida e cores vibrantes. Nessa época, sofreu transtornos psíquicos e internações compulsórias, que culminaram em seu suicídio em 1890. Suas cartas são documentos fundamentais para a compreensão da obra, especialmente aquelas endereçadas ao irmão Theo van Gogh (1857-1891). Banco de pedra no asilo de Saint-Remy (1889) é um retrato da rotina de internação de Van Gogh nos intervalos entre as crises. As árvores tortuosas e as marcas do pincel que mostram a agitação na paisagem, traduzem, segundo muitos historiadores, os conflitos interiores do artista.
— Equipe curatorial MASP, 2017
Por Felipe Martinez
Na antevéspera do Natal de 1888, Vincent van Gogh (1853-1890) cortou um pedaço de sua orelha direita. A crise foi provavelmente motivada pela partida de Paul Gauguin (1848-1903), que passou alguns meses com Van Gogh em Arles, sul da França. A situação na cidade ficou cada vez mais complicada e o pintor decidiu internar-se no asilo psiquiátrico Saint-Paul-de-Mausole, em Saint-Rémy-de-Provance, a alguns quilômetros dali. No período internado, Van Gogh pintou diversas vistas do jardim do asilo. Foi o caso do Banco de pedra no asilo em Saint-Rémy. Não foi a única pintura a retratar o objeto. Mas há algo de diferente no banco de pedra do MASP. Aqui ele é o motivo principal da obra: aparece ao centro da composição, entre dois troncos retorcidos, e se articula diagonalmente com os demais elementos, mostrando que Van Gogh tinha intimidade com a maneira japonesa de estruturar o espaço. Pinceladas grossas formam a casca das árvores e uma espécie de ninho parece estar presente entre os galhos do tronco no primeiro plano. As formas dos objetos têm a instabilidade das pinturas finais de Van Gogh. Basta olhar para o turbilhão de pinceladas que faz o solo parecer movediço, como se nada na pintura fosse estável. Os contornos do banco aprisionam a forma que tenta se libertar do traço espesso que a contém. Se antes Van Gogh já havia pintado a si próprio e a Gauguin como cadeiras vazias, por que não pensar que o banco de pedra do acervo do MASP fosse também uma espécie de autorretrato em meio a sua tempestade pessoal?
— Felipe Martinez, doutor em História da Arte, Unicamp, 2021
Por Erick Santos
Eu tinha 19 anos quando comecei a trabalhar no núcleo de Conservação do MASP, no dia 11 março de 2005. Hoje, quinze anos depois, lembro de como tudo me fascinou: o prédio com sua arquitetura libertadora, as pessoas que ali trabalhavam, e principalmente as obras que a cada dia se revelavam de maneira totalmente nova diante de mim. No meu 29º dia de confinamento, penso nas obras do museu, olho pela janela de meu apartamento, e vejo a pequena praça lá embaixo antes cheia de gente e hoje vazia. A imagem me faz lembrar a pintura Banco de Pedra, de Van Gogh. A obra pertenceu a Johanna-Bonger, cunhada do artista, e foi pintada durante sua internação no sanatório da antiga igreja de Saint-Paul de Mausole, em Saint Remy de Provence, no sul da França. Da janela do seu quarto, Vincent podia ver o pátio central do asilo, com seu jardim, árvores e o banco de pedra. A pintura do MASP foi feita nesse período de confinamento, e apresenta pinceladas carregadas de tinta que se sobrepõem com grande dinamismo, criando uma textura terrosa e lamacenta. Alguns vazios são deixados na tela, o que permite ver o linho do suporte. As cores não são tão vivas e reluzentes como as de outras pinturas de Van Gogh desse período. Há um predomínio de ocres, verdes e marrons, e o preto aparece na tentativa de delimitar cada elemento da composição. As cores menos intensas representam possivelmente um momento reflexivo do artista, além de evocar um sentimento de vazio e solidão. Ao mesmo tempo, foi nesse período que Van Gogh realizou uma grande quantidade de obras — pintar o mantinha vivo, entre uma crise e outra em Saint Remy.
— Erick Santos, assistente do núcleo de Conservação e Restauro, MASP, 2020
Por Luciano Migliaccio
Banco de Pedra no Asilo de Saint-Remy (O Banco de Pedra) pertenceu a Johanna Gesina Van Gogh Bonger (1862-1925), viúva de Theo Van Gogh, irmão do pintor (Bardi, 1954). Os críticos concordam em datá-la de outono de 1889. Em maio desse ano, Van Gogh entrou na clínica aberta da antiga igreja de Saint-Pol-de-Mausole, em Saint-Remy de Provence. Da janela de seu quarto, que era também seu ateliê, Vincent podia ver o jardim e a paisagem das Alpilles que pintou em seus quadros. Nos primeiros dias de junho, após uma época de calma, o pintor sofreu uma nova crise nervosa, que o deixou inconsciente por alguns dias. Retomou seu trabalho em agosto, pintando as paisagens do jardim da clínica. Continuou sua atividade até sofrer novo ataque em dezembro, que também durou vários dias, durante o qual tentou engolir pedaços de suas pinturas. Comparados com as obras anteriores, os quadros pintados em Saint-Remy são caracterizados por pinceladas que tendem a se sobrepor, criando efeitos de grande dinamismo, e por uma paleta mais rica de cores vivas. Um banco semelhante, flanqueado por um tronco de cada lado, é representado numa pintura datada provavelmente de outubro de 1889. O mesmo lugar, embora visto de um outro lado, aparece numa aquarela pertencente ao Museu Van Gogh de Amsterdã, também datada de 1889. Um desenho à tinta da China (Fullerton, Norton Simon Foundation), representando o banco, realizado no mesmo mês de outubro, serviu de estudo para dois quadros, um dos quais se encontra em Essen (Folkwang Museum) e o outro no Museu Van Gogh. Esse último é considerado um pouco anterior e é questionado por alguns críticos. No quadro do Masp, junto ao banco de pedra, há uma fonte circular, que aparece apenas em um outro desenho à tinta da China de maio ou junho de 1889 (Museu Van Gogh). Todas essas obras são apenas uma pequena parte da produção de Van Gogh dessa época, pois trabalhava intensamente nos intervalos entre as crises. Naqueles meses, escreveu a Theo: “Eu te aviso. Todos pensarão que estou trabalhando rápido demais. Não acredite nisso. A emoção e um autêntico sentimento da natureza são meus guias, e essas emoções às vezes tornam-se tão fortes que se trabalha sem ter consciência, e as pinceladas saem naturalmente e se dispõem juntas como as palavras de um discurso ou de uma carta: aí é preciso lembrar que as coisas não são sempre desse jeito e que existem dias sem inspiração. Por isso é preciso bater no ferro até que fique quente e guardar as barras que você forjou”.
— Luciano Migliaccio, 1998