Quiltssão mantas acolchoadas feitas da junção de vários tecidos, técnica conhecida na Europa desde pelo menos 1600. Foi a partir do século 18 que esse tipo de produção ganhou força nos Estados Unidos, a ponto de hoje ser
associada principalmente a esse país.
Em 1776, as colônias americanas declararam sua independência, o que resultou na proibição do comércio com o Reino Unido e estimulou a produção local de tecidos. Logo na sequência, essa produção têxtil ganhou escala
industrial, com as mulheres constituindo‑se como a principal força de trabalho. No Norte do país, as mulheres empregadas na indústria têxtil (brancas ou negras, normalmente jovens e solteiras) poderiam ter uma vida
mais independente do ponto de vista econômico e acesso a uma variedade de bens de consumo para si e para suas famílias, incluindo tecidos para roupas, cortinas, toalhas e
quilts.
Em busca de uma posição social mais estável, muitas fizeram parte de organizações de caridade. Essas associações permitiam que ampliassem sua atuação na comunidade e asseguravam a formação de redes de solidariedade e
pertencimento, para além do espaço doméstico que lhes era reservado até então. A venda das
quiltsem feiras beneficentes acabou, também, se revelando uma estratégia importante para angariar fundos para diversos projetos sociais e políticos, como a abolição da escravidão, o sufrágio feminino e a luta pelos
direitos dos trabalhadores. Durante a Guerra Civil norte‑americana (1861‑1865), estima‑se que tenham existido entre 7 e 20 mil associações de mulheres, chamadas genericamente de “Ladies’ Aid Society” [Sociedade
assistencial de mocas], que apoiaram ambos os lados do conflito. Dessa maneira, os
quiltsnão apenas desmentem a função meramente “decorativa”, em geral atribuída a eles, como também apresentam um verdadeiro vocabulário geométrico, muito anterior ao dos artistas (homens) modernos que se consagrariam como
pioneiros da arte abstrata.
Por Julia Bryan-Wilson
Eu sou do Texas, no sul dos Estados Unidos. Durante muitas gerações, todas as mulheres na minha família fizeram quilts—uma colcha de retalhos tipicamente americana como esta, que foi mostrada na exposição
Histórias das Mulheres: artistas até 1900, que eu co-curei com Mariana Leme e Lilia Moritz Schwarcz, em 2019, no MASP. Poderíamos dizer que esse tecido tem "fabricação anônima"; no entanto, provavelmente é melhor dizer que foi feito por uma mulher
cujo nome já foi conhecido no passado, mas cuja autoria foi perdida na história. O quilt foi exposto na mostra próximo de uma pintura da impressionista estadunidense Mary Cassatt (1843-1926), que também usou pequenos
elementos discretos - pinceladas entrelaçadas como pedaços de tecido - para criar um efeito óptico. Uma tradição entre as famílias brancas e negras no sul dos Estados Unidos é que as mulheres criam quilts especiais
como presentes para ocasiões importantes, como casamentos. Você pode ver pelo tecidos caros usado aqui nesse trabalho que esse teria sido um quilt muito especial e possivelmente nunca foi colocado em uma cama para
esquentar, mas poderia ter sido pendurado na parede como uma tapeçaria. Minha avó me costurou um quilt bem parecido com esse quando eu nasci; eu deveria recebê-lo quando me casei. Mas porque sou queer/gay, isso nunca
aconteceu; em vez disso, meu pai me deu o quilt quando completei meu doutorado em história da arte.