MASP

Andrea Fusina

Cristo ressuscitado, Sem data

  • Autor:
    Andrea Fusina
  • Dados biográficos:
    Milão, Itália, 1470-Milão, Itália ,1526
  • Título:
    Cristo ressuscitado
  • Data da obra:
    Sem data
  • Técnica:
    Mármore
  • Dimensões:
    154 x 64 x 37 cm
  • Aquisição:
    Doação Geremia Lunardelli, sem data
  • Designação:
    Escultura
  • Número de inventário:
    MASP.00014
  • Créditos da fotografia:
    João Musa

TEXTOS



O corpo inteiro de Cristo Ressuscitado encontra-se representado em pé, coberto pelo sudário e por uma atadura nos ancos. Mostra a mão esquerda com a marca dos pregos e, com a direita, sustenta o cálice, recolhendo o sangue que jorra da ferida. A estátua encontra-se muito danicada. Foi colocada possivelmente em um nicho ou, o que é mais provável, emparedada ao muro, do qual foi violentamente destacada, fragmentando-se. Posteriormente foi recomposta por uma série de remendos, evidentes sobretudo na região das pernas e nos dedos da mão esquerda. A parte posterior foi, de certo modo, reparada, preenchendo-se as lacunas com cimento. A ficha do inventário atribui essa obra ao escultor lombardo Cristoforo Solari, chamado “il Gobbo”, e sugere que possa provir da fachada do Duomo milanês. Isto é justicável sobretudo considerando-se o material: o mármore de Candoglia, de fato, é exclusivo do canteiro milanês, embora as dimensões da escultura sejam bastante reduzidas, e os detalhes da barba e da cabeleira cuidadosamente trabalhados. Além disso, a obra não apresenta sinais muito evidentes de uma exposição aos agentes atmosféricos. É difícil, portanto, precisar se a estátua provém de uma decoração do exterior da catedral ambrosiana ou se provém de uma decoração de interior, pertencente ao altar ou ao tabernáculo eucarístico. Nem é possível, tampouco, excluir a possibilidade de a estátua ser de outra origem, não milanesa. O tema deriva, talvez, da iconograa do Cristo portador da cruz e adorado por um anjo que recolhe o sangue no cálice, como se vê no relevo de Agostino di Duccio, no Templo Malatestiano de Rimini, ou na pintura de Giovanni Bellini, na National Gallery de Londres. Em uma pintura de Crivelli, encontrada no Museu Poldi Pezzoli de Milão, proveniente da região italiana Delle Marche, área cultural de inuência vêneta, o cálice é sustentado por São Francisco em frente ao Redentor. Essa iconograa foi relacionada pelos estudiosos com a questão levantada por São Giacomo della Marca, no decorrer de suas predicações em Brescia, 1462, acerca da divindade do sangue de Cristo. A obra do Masp, devido à ausência de acentos particularmente dramáticos na interpretação, e também a certa imitação do Antigo, parece pertencer a uma época posterior. O Cristo aqui representado não é aquele histórico, mas o glorioso após a Ressurreição. Ele recolhe o sangue no cálice para oferecê-lo aos éis, participantes da Eucaristia. A dor do martírio, típico das guras do Cristo da Paixão é, no caso dessa obra, transgurada em nobre grandeza. O escultor exprime essa passagem adotando a iconografia do nu heróico, derivada da estatuária clássica. A equivalência entre representações de Cristo e do herói pagão é justi cada, precisamente, pela forte conotação sacramental da imagem, que sublinha a divindade do sangue do Messias e o seu sacrifício. O nome de Cristoforo Solari não parece corresponder perfeitamente ao classicismo da obra que se encontra em São Paulo. O escultor milanês possui uma veia de naturalismo até mesmo nos momentos de inspiração áulica, como nos retratos para o sepulcro de Ludovico, o Mouro, e de sua esposa, em Certosa de Pavia, de 1495-1499. Nas obras posteriores, Cristo na Coluna ou Adão, do duomo milanês, o seu estilo se desenvolve em sentido dramático. Faltam, no Cristo do Masp, alguns traços característicos das sionomias de Cristoforo: as sobrancelhas contraídas, profundamente desenhadas e de forma abundante, a cabeleira e a barba divididas em sulcos ondulantes, as pupilas feitas com a punção. Em vez disso, a estátua do Masp, ainda que evidencie a inuência da arte de Solari – devido à imitação quase arqueológica da estatuária pré-helenística –, faz pensar no que Venturi deniu como neoclassicismo veneziano do começo do século XVI. Também Mântua, onde era conservada a relíquia do preciosíssimo sangue de Cristo, foi nos mesmos anos um dos centros mais importantes de difusão da cultura que imita o Antigo, graças à presença de Mantegna. Nessa cidade trabalhavam escultores como Antico e, sobretudo, Giancristoforo Romano, que chegara de Milão. No Museu do Palácio Ducal conserva-se um relevo em tufo, atribuído por Fiocco ao próprio Mantegna, representando a gura isolada do Cristo que verte o próprio sangue no cálice: uma iconografia muito próxima à do Cristo aqui apresentada. Devemos então pensar em algum escultor mais jovem do que Solari e que, a seu exemplo, pudesse reunir a experiência mantegnesca e veneziana. Os detalhes do rosto, sua tipologia quadrangular de barba bem curta e encaracolada denotam que o autor do Cristo que se encontra no Masp foi inuenciado pelo estilo dos relevos feitos por Tullio e Antonio Lombardo, para a basílica do Santo em Pádua. O drapeado do sudário que pende do braço esquerdo e envolve a parte posterior da gura até cobrir-lhe a perna direita parece, entretanto, inspirado em modelos voltados ao classicismo romano, introduzidos em Milão principalmente por Agostino Busti, conhecido como Bambaja. Possivelmente, um certo caráter leonardesco encontrado no rosto de Cristo, em que os volumes quadrangulares se dão por meio de delicadas passagens de claro-escuro, é também uma inuência do mesmo artista. Mas a animação maneirística do panejamento de Bambaja e a sua atormentada vitalidade estão ausentes da escultura paulista: os panos estão enrijecidos e constituídos por sulcos verticais, como nas colunas clássicas, parecendo uma derivação literal das togas nas estátuas representativas de oradores antigos, algo que não desagradaria Giancristoforo Romano. As proporções sobrecarregadas fazem pensar, ainda uma vez mais, em Solari. No entanto, a anatomia, particularmente o tratamento dado aos músculos peitorais e às costas, é mais tênue do que aquele dado às guras de Cristoforo. Acrescente-se que, devido à provável localização da obra, distante do olho do observador, ela foi realizada com volumes redondos e pouco marcados, sobre os quais a luz se esfuma delicadamente, como ocorre nas obras de escultores mais sensíveis às sugestões de Leonardo, por exemplo, Giovambattista da Sesto ou os Aprile de Carona. Por esses motivos, parece apropriado sugerir o nome de Andrea Fusina, que trabalhou no canteiro do Duomo de Milão até a sua morte, ocorrida por volta de 1526. Uma comparação entre as esculturas do monumento Birago, executado em 1495, e o Josué ou o Judas Macabeu, no Museu do Duomo de Milão, mostra características semelhantes nos cabelos decorativamente armados, nos panos que se inspiram no estilo que imita a escultura pré-helenística e na denição das imagens, de li be ra damente tomada de convenções antigas e tão pouco clássica nas proporções.

— Autoria desconhecida, 1998

Fonte: Luiz Marques (org.), Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo: MASP, 1998. (reedição, 2008).




Por Amanda Dias de Almeida
Andrea Fusina foi um escultor e arquiteto italiano, nascido na década de 1470. Fusina participou na construção do Duomo di Milano, a Catedral de Milão, a partir de 1495. A escultura Cristo Ressuscitando, pertencente ao acervo do MASP, é, possivelmente, proveniente da fachada do Duomo di Milano. Isso se justifica pelo material utilizado, um mármore de Candoglia, exclusivo dessa construção. Em Cristo Ressuscitado, a figura de Cristo é representada em pé, coberto por um lenço e por uma atadura nos ombros. A figura mostra a sua mão esquerda com a marca dos pregos e, à direita, sustenta um cálice, recolhendo o sangue que jorra de sua ferida. Ele recolhe o sangue no cálice para oferecê-lo aos fiéis, participantes da eucaristia. O Cristo representado aparece como uma figura gloriosa após a sua ressurreição, com os detalhes da barba e do cabelo cuidadosamente trabalhados. Esse momento de dor e martírio, no seu último ciclo da vida, é figurado pelo escultor adotando a iconografia do nu heróico, derivada da escultura clássica. Os panos estão enrijecidos e constituídos por sulcos verticais, como nas colunas clássicas, e parecem ser uma derivação das togas nas estátuas representativas de oradores da antiguidade greco-romana. Outros trabalhos de Fusina, como as esculturas do monumento fúnebre de Daniele Birago, em Milão, de 1495, e o Josué, no Duomo de Milão mostram características semelhantes a obra do MASP, nos cabelos decorativamente armados e nos panos de referência na escultura clássica grega. Fusina trabalhou no canteiro do Duomo de Milão até a sua morte, ocorrida por volta de 1526.

— Amanda Dias de Almeida, Analista de comunicação, 2022



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