Os trabalhos de Rivane Neuenschwander abordam, em geral, elementos da vida cotidiana que fogem do controle e da percepção comum. A artista trabalha com materiais e processos inusitados: temperos organizados de acordo com seus nomes e em ordem alfabética, o pó retirado do chão de sua casa, bolhas de sabão, formigas devorando um mapa-múndi feito de mel. A obra do MASP faz parte de uma série na qual a artista busca, em relatos, memórias da infância dos outros, algo que possa ser tomado como experiência artística. Em L. M. (Interdito), Neuenschwander produziu um objeto-instalação a partir das memórias de infância de outra artista brasileira, Lais Myrrha. Na infância, Myrrha se escondia sob a mesa para desenhar em um local sigiloso, que seus pais não acessassem, de modo a não poderem repreendê-la. A mesa criada pela artista, então, mantém os desenhos em segredo. Mas na medida em que os visitantes se permitem investigar esse móvel de outros pontos de vista (e as crianças são sujeitos privilegiados nessa investigação, pois podem acessar mais facilmente o espaço debaixo da mesa), descobrem uma base pintada com tinta de lousa e um suporte para giz. L. M. (Interdito) convoca o corpo do espectador de uma maneira distinta à da apreciação frontal de uma pintura ou uma fotografia, uma vez que a peça requer que ele se abaixe para desenhar ou visualizar os desenhos.
— Equipe curatorial MASP, 2017
Por Ulisses Carrilho
Há uma farta dose de delicadeza no trabalho da artista brasileira Rivane Neuenschwander. Em sua síntese formal, há uma decantação da linguagem. Em L. M. (interdito) (2015), ela nos convida a investigar o avesso. A artista elaborou este projeto a partir da narrativa de uma amiga, a artista Lais Myrrha. Proibida pela mãe de desenhar nas paredes, insubordinadamente encontra lugares outros, menos espetaculares, para que suas inscrições pudessem acontecer. Na obra de Neuenschwander, uma mesa comum de madeira tem abaixo do tampo uma lousa, com giz e apagador, à disposição do público. A escala é a mesma da vida cotidiana, campo de investigação da artista, que insiste no uso de vestígios humanos e animais como material e mecânica para pensar e realizar seus trabalhos. Trata-se de um objeto, mas seria justo dizer que instaura um espaço. Em vez de consumir imagens, temos a liberdade de produzi-las. Esta atenção para a infância pode ser localizada em outros projetos da artista: Quarar (2000) e O nome do medo (2017) são exemplos dessa recorrência, lembrando-nos, crianças e adultos, da importância da formação da subjetividade e das várias imagens produzidas no inconsciente. O convite ao outro (neste caso, o público) é uma das estratégias recorrentes na pesquisa da artista. Em O trabalho dos dias (1998), a artista compõe um espaço de plástico adesivo, sobre uma superfície que aglutina vestígios de poeira de seu cotidiano doméstico transportados para o espaço de exposição. A passagem dos públicos altera a materialidade do espaço, fixando a presença dos passantes por meio de pelos, poeira e todos aqueles materiais cujas solas dos sapatos dos espectadores puderam trazer o mundo exterior para o interior do espaço dedicado à arte— em seus sujos restos.
— Ulisses Carrilho, curador, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, 2021
Por Júlia Cavazzini Cunha
Uma de minhas principais memórias do MASP, quando eu ainda não trabalhava no museu, foi ter visto o trabalho L.M. (Interdito) de Rivane Neuenschwander (Belo Horizonte, Brasil, 1967) na exposição de Histórias da Infância, em 2016. A obra é um objeto-instalação, composto por uma mesa comum de madeira, com a parte interna pintada com tinta de lousa e com giz à disposição, como um convite à intervenção. Esta obra surge a partir do relato de infância de Lais Myrrha, artista e amiga de Neuenschwander, que desenhava escondido debaixo da mesa quando criança. Lembrei-me deste trabalho esses dias, vendo meus sobrinhos, de 6 e 8 anos, conversarem juntos sobre medo. Como crianças, compartilham uma fresca visão de mundo e inventam alternativas criativas para seus medos. Assim como a parte de baixo da mesa parecia ser só um ponto cego, na perspectiva da criança tornou-se uma possibilidade. A ausência das paredes não são um impedimento para expor histórias, mas a oportunidade de criar um melhor fluxo para elas. O teto da mesa se torna um lugar livre para o uso das palavras e imagens que possam ser repreendidos pelos pais, mesmo que usados com significados diferentes. Como a própria artista já escreveu uma vez, referindo-se outros trabalhos de coautoria com crianças: "Precisamos voltar a ser criança, imediatamente!".
— Júlia Cavazzini Cunha, assistente no núcleo de Mediação e Programas Públicos, MASP, 2020