Este lenço de cabeça (seputangan) apresenta um complexo bordado de seda sobre tela de algodão feito por mulheres da etnia Yakan, nas Filipinas do século 19, onde a tradição permanece viva. Apreciados, em geral, como trabalhos de grande virtuosismo e beleza, os tecidos e suas rotas comerciais guardam também histórias de violência colonial.
Trocas comerciais têxteis entre a Asia, o Oriente Médio, a África e a Europa ocorreram durante centenas de anos através de rotas terrestres, porém foram interrompidas com a fragmentação do Império Mongol em meados do século 15. Com a invasão de Constantinopla (atual Istambul), em 1453, pelos turcos otomanos, o intercâmbio entre a Europa e a Ásia ficou ainda mais prejudicado. Esses dois episódios foram fundamentais para a criação de uma nova rota, marítima, que proporcionou intenso comercio global de bens — incluindo o comercio de almas, como era chamado o tráfico de pessoas.
Tecidos desempenham, porém, não só um papel comercial, como também simbólico: eles conferem status social e cultural para quem os possui, demonstrando sua familiaridade com um mundo mais vasto. Têxteis e outros objetos advindos de terras distantes também ajudavam a conferir materialidade ao domínio ou ao conhecimento desses lugares remotos. A partir de finais do século 18, conforme foram se tornando acessíveis a um maior número de pessoas, os padrões iconográficos dos tecidos orientais influenciaram decisivamente a cultura visual do “Ocidente”, contribuindo para a criação de um imaginário fantasioso que demonstrava a percepção europeia do “Oriente”. Esse tipo de conhecimento, e também de preconceito, chamado orientalismo, estaria ainda mais presente no século 19, como mostram algumas pinturas presentes nesta exposição, como Uma cativa grega (1863), de Henriette Browne (1829‑1901). Essa sofisticada operação de apropriação cultural foi assinalada ainda no início do século 20 pela primeira curadora de têxteis do Metropolitan Museum em Nova York, Frances Morris (1855‑1966). Ela escreve, por ocasião de sua exposição de tecidos europeus, armênios, indianos, javaneses e peruanos, em 1927: “O que é particularmente valioso numa exposição com esse escopo é a oportunidade que ela oferece para estudar a inter‑relação do modelo oriental e a subsequente interpretação europeia”.
— Mariana Leme, mestranda em teoria e história da arte, ECA-USP, e integrante da equipe de curadoria, MASP, 2019