Típico da pintura orentina por volta de 1480, o tema da Madona em adoração é concebido em dois registros espaciais bastante contrastados. No primeiro plano, o espaço é circunscrito por uma manjedoura construída sobre uma ruína antiga, arquiteturas heteróclitas mas semanticamente signicativas, na medida em que designam uma possibilidade de concordância, bem ao gosto tardio-quatrocentista, entre o cristianismo e a Antiguidade clássica. Ao longe, por outro lado, avista-se a cidade de Florença, cercada ainda por suas muralhas Trecentistas, no recesso das quais se distinguem a cúpula brunelleschiana da igreja de Santa Maria del Fiore, possivelmente a torre do Palazzo Vecchio e o característico campanário da Badia Fiorentina. Entre a cena sagrada e a profana, o rio Arno esgueira-se, com a dupla missão “humanista” de reiterar a concordância entre estas duas esferas da experiência e, sobretudo, de soldar os planos extremos da visão em um espaço coerente e unicado pela perspectiva.
A obra Madona em Adoração do Menino Jesus e um Anjo entrou na coleção do museu por meio do Studio d’Arte Palma, galeria romana de propriedade de P. M. Bardi, com uma atribuição a Francesco Botticini (Florença, 1446-1498), pintor mal documentado e a quem foram já atribuídas algumas obras hoje devolvidas a Biagio d’Antonio. Em 1946, Pietro Toesca, em carta a P. M. Bardi, ainda a atribuía a Botticini, levado com justeza pela constatação de que esta obra revelava “um seguidor estrito de Andrea Verrocchio”. Mas, já desde 1945, Roberto Longhi, também em uma comunicação escrita a Bardi sobre esta obra, avançava o nome de Biagio d’Antonio, em alternativa ao de Botticini, sugestão sufragada pelos estudiosos recentes. Com efeito, em 1976, Everett Fahy publicava a obra como Biagio d’Antonio e escrevia a Bardi no ano seguinte para manifestar seu acordo “com a sugestão de Longhi de que se trata de uma obra de Biagio d’Antonio”, atribuição agora raticada por L. Bellosi (comunicação oral, 18/1/1996) e por M. Boskovits (comunicação oral, 22/1/1996), registrando-se ainda um argumento e silentio contra a atribuição da obra a Botticini: o fato de Venturini, em sua recente monograa sobre o artista, não incluir o altar do Masp no rol de suas obras. Coube ainda a Fahy identicar a obra do Masp com a que se encontrava desde 1921 na coleção Acton de Florença, conforme pudemos conrmar graças a uma fotografia conservada na Fototeca do Kunsthistorisches Institut, em Florença.
A transferência de atribuição nada tolhe ao fato de que o modelo da obra de Biagio d’Antonio continua sendo Verrocchio, seja na similitude existente entre o anjo de nossa obra e o do célebre Batismo de Cristo, dos Uzi, seja na composição como um todo, que retoma precisamente a da assim chamada Madona Ruskin, conservada na National Gallery of Scotland, em Edimburgo, em geral considerada oriunda do ateliê de Verrocchio (Sutton 1985, p. 105; Adorno 1991, pp. 254-255). De resto, Biagio voltaria a inspirar-se em modelos vindos desse ateliê em outras de suas obras, como as que se con servam no Musée des Beaux-Arts de Estrasburgo (quase idêntica à nossa), na coleção Sir Everard Radcliffe, em Rudding Park, no Ringling Museum de Sarasota, Flórida, na coleção Johnson, na Filadéla, e em 1924 na coleção Burnath, em Florença (Fahy 1977).
— Autoria desconhecida, 1998