Chamado muitas vezes de “o pintor das mulatas”, Emiliano Di Cavalcanti dedicou grande parte de sua obra ao retrato de mulheres. O artista ajudou a criar um imaginário para a mulher negra na pintura brasileira, ao figurá-la de formas específicas: com seios bem delineados, blusas decotadas e olhares sedutores, a exemplo de Mulata (circa 1947). Nesta tela, vê-se a personagem em pose três-quartos; observa-se o dégradé de diferentes tons de marrom de que o pintor se utiliza para construir os volumes de seu corpo, coberto por uma blusa marcada por um rico listrado sobre tons de verde. Por meio de sua pintura, apesar de ter contribuído para multiplicar as representações de rostos e corpos femininos, especialmente negros, Di Cavalcanti terminou por retratar as mulheres como sujeitos passivos e sensualizados. Ademais, a maioria desses retratos recebem em geral o título genérico de Mulata, palavra que se origina de “mula”, animal híbrido (fruto do cruzamento de uma égua com um jumento) utilizado para carregar cargas pesadas. O termo é mais frequentemente versado no gênero feminino, “mulata”, do que no masculino, “mulato”. Assim, tanto a forma de retratar essas personagens como o termo utilizado para o título das obras participaram da construção de um lugar para a mulher negra na sociedade brasileira moderna: embranquecida, já que diferenciada da mulher negra de pele escura, e inferiorizada, pois reduzida aos seus atributos sexuais. Vale mencionar que, além da notação Mulata, essa obra foi também identificada com o título Mulher em interior.
— Guilherme Giufrida, assistente curatorial, MASP, 2018