Numa tomada longa, lenta e sem cortes, a câmera passeia pela pinacoteca de cavaletes de vidro do MASP concebida por Lina Bo Bardi, e reconhecemos pinturas dos outrora chamados grandes mestres (masculinos) da história da arte (europeia): Piero di Cosimo, Tintoretto, Bosch, Rafael, Botticelli, Velázquez, El Greco, Frans Hals, Rembrandt. Lewis submeteu o material a uma manipulação digital extrema, criando um ambiente que tem algo de fantástico e fantasmagórico, onde arte e arquitetura, tempo e história, visão e percepção parecem estar num processo de derretimento e decomposição, fratura e fragmentação. Seria possível identificar aqui uma certa crítica para esta instituição tão totalizante quanto dominadora, que quer tudo abarcar, classificar, confinar, organizar e preservar, representando uma imagem coerente, hierarquizada e significativa do mundo e de seus objetos mais ilustres: o museu em si. Com seu foco inescapável nas coisas do passado remoto ou recente, o museu tradicional corre sempre o risco de se desconectar do presente. "A palavra alemã museal tem conotações desagradáveis", escreveu o filósofo alemão Theodor Adorno. "Ela designa objetos com os quais o observador não tem mais uma relação viva, objetos que definham por si mesmos e são conservados mais por motivos históricos do que por necessidade do presente". O museu teria então a tendência a sofrer um processo de petrificação ou mumificação, algo que o vídeo de Lewis parece sinistramente representar. Estaríamos diante de um "museu em ruínas"? Num momento em que museus em todo o mundo atravessam uma crise de identidade e reavaliam suas missões, acervos e propósitos para encontrar novas maneiras de se engajar com a arte (seja ela antiga ou contemporânea) e seus públicos (sejam eles internos ou externos), a meditação em vídeo de Mark Lewis, cheia de visões estranhas e familiares, assustadoras e sedutoras, é uma provocação incisiva e potente.
— Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP, 2021