Nascido em uma família abastada da burguesia, Manet iniciou os estudos literários e a carreira de oficial da Marinha. Depois de uma viagem ao Rio de Janeiro embarcado num navio mercantil, persuadiu a família de sua vocação artística. Convencido de que a renovação da pintura deveria basear-se no estudo da tradição, copiou as grandes obras do Louvre e viajou pela Espanha, Itália, Holanda e Áustria. Precursor do impressionismo, Manet foi uma figura essencial na passagem entre a arte acadêmica e a arte moderna. Foi um grande mobilizador da cena artística na segunda metade do século 19 em Paris, interlocutor de escritores e poetas como Émile Zola (1840-1902) e Charles Baudelaire (1821-1867). Suas personagens encaram duramente o espectador e parecem desafiar a tradição e a crítica. O senhor Eugène Pertuiset, caçador de leões (1881), uma das telas de maior formato pintadas por Manet, foi restaurada recentemente. O homem ajoelhado com a arma na mão era um amigo pessoal do artista, colecionador e comerciante de arte e de armas, amante da noite e da caça. A obra é uma paródia dos heróis românticos, antítese das lutas ferozes entre homens e animais pintadas por Eugène Delacroix (1798-1863). Há também uma sátira aos gestos decorosos e artificiais da pintura dos salões.
— Equipe curatorial MASP, 2017
A obra O Senhor Pertuiset, Caçador de Leões, um dos maiores formatos realizados por Manet, foi recentemente restaurada com resultados excelentes. Eugène Pertuiset era um bem conhecido colecionador e comerciante de arte e de armas, além de amante da caça ao leão e das soirées chez Tortoni. Amigo e admirador de Manet, Pertuiset adquire, com seu retrato, a décima obra do pintor para sua coleção. O quadro foi recebido de forma muito desfavorável no Salon de 1881 e não apenas pelo público, mas também por alguns amigos do artista, entre os quais o escritor e crítico Huysmans, que escreve: “Quanto a seu Pertuiset de joelhos, fuzil em punho, na sala onde ele avista certamente algumas feras, enquanto por detrás dele estende-se o modelo amarelado de um leão sob as árvores, não sei o que dizer. A pose deste caçador, que parece matar coelhos no bosque de Cucufa, é infantil e, do ponto de vista de sua execução, esta tela não é superior às dos artistas de garranchos que o circundam. Para distinguir-se deles, o Sr. Manet divertiu-se em empastar sua terra de violeta; é algo de uma novidade pouco interessante e demasiado fácil”. Na realidade, o olho esclarecido e a escrita afiada do grande Huysmans não foram capazes de identificar a obra-prima. Para Manet, para quem essas palavras devem ter sido ofensivas, a obra valeu-lhe ao menos uma medalha de valor secundário que, em todo caso, garantia-lhe o acesso automático aos próximos salões, para desespero de críticos como Edmond About. O problema de Huysmans é não ter percebido a ambigüidade da obra, que oscila entre uma paródia do romantismo no estilo das caçadas ao leão de Delacroix e uma sátira ao exotismo, às vestes bávaras de caçador de javalis (como nota Cachin), e a pose ridícula de Pertuiset, a lembrar o Tartarin de Tarascon de Afonse Daudet. A insinuação ao ridículo não escapa a Huysmans, mas ele o percebe como uma falha, e não como um efeito sutil buscado pelo artista. Manet poderia igualmente estar satirizando a nascente retórica da fotografia, das longas poses impostas ao modelo pela incipiente técnica do “registro” fotográfico, como é aventado por Camesasca (1987, p. 184). O fundo etéreo, em contraste com a evidência quase material do tronco no primeiro plano, parece prenunciar, inclusive pela paleta azul-violeta, um quadro imaginário do último Monet de Giverny, uma bizarra combinação de um de seus Salgueiros com uma de suas mais belas Ninféias. Além disso, o violeta do fundo não era uma “solução demasiado fácil”, mas um sincero parti pris de uma visão verdadeira da natureza. Como já foi reportado por Camesasca, o artista teria com efeito afirmado a George Moore ser o violeta a “verdadeira cor da atmosfera” (“Le plein air est violet”). Para Valéry, que situa o genial pintor em seu Triomphe de Manet entre “o realismo de Zola e a poesia absoluta de Mallarmé”, neste violeta está a opção por um realismo que não aspira ser outro senão o puramente pictórico.
— Autoria desconhecida, 1998