Van Gogh adquiriu interesse pela pintura trabalhando para um marchand, na Holanda e na Inglaterra. Depois disso, dedicou‑se à carreira religiosa em meio aos mineiros pobres da Bélgica, até ser demitido por apoiar as lutas dos trabalhadores. Lá, começou a pintar e fez sua primeira obra notável, Os comedores de batatas (1885). No ano seguinte, em Paris, iniciou estudos da técnica impressionista e das estampas japonesas. Mudou‑se para Arles, no sul da França, onde iniciou uma série de trabalhos de luminosidade esplêndida e cores vibrantes. Nessa época, sofreu transtornos psíquicos e internações compulsórias, que culminaram em seu suicídio, em 1890. O MASP possui quatro obras suas, pintadas durante seus anos finais, em Arles. Em Passeio ao crepúsculo, as pinceladas sugerem agitação, excitação, uma atmosfera estranha na qual céu, plantas e personagens parecem se mexer. O ritmo das pinceladas ganha força por meio das cores fortes e saturadas, que vibram de forma luminosa. O céu, que Van Gogh via da janela do asilo em Saint‑Remy, foi por ele descrito em carta ao irmão, Theo van Gogh (1857‑1891), como “um céu noturno com uma lua entorpecedora”. Para alguns intérpretes da obra, o homem ruivo nesta caminhada romântica é o próprio artista.
— Equipe curatorial MASP, 2015
Por Felipe Martinez
Van Gogh pintou Passeio ao Crepúsculo no final de sua estadia no asilo de Saint-Remy. Embora os passeios em casal sejam frequentes em sua obra, a tela do MASP é a única que mostra o próprio artista, com sua inconfundível barba alaranjada em contraste complementar com seu macacão azul. Mas quem seria a mulher que o acompanha? As hipóteses vão desde sua amiga Marie-Julien Ginoux, também retratada em Arlesiana, até lembranças de um de seus muitos amores fracassados, como sua prima Kee Vos ou Margot Begemann, que havia tentado se matar enquanto passeavam. O que sabemos certamente é que ela imita o gesto de uma das personagens de A Ressurreição de Lázaro, pintada a partir de uma gravura de Rembrandt. Além das caminhadas, a obra também traz um elemento local característico: os ciprestes. Em carta a seu irmão, o pintor declarou que ninguém tinha ainda pintado como ele os via: diferentemente de outras obras do artista, onde parecem uma chama escura, aqui são colunas que sustentam o céu, em uma austeridade vertical que contrasta com a circularidade das oliveiras. De modo distinto dos girassóis — outra marca inconfundível da pintura de Van Gogh — alegres e ensolarados, os ciprestes são lúgubres e, como obeliscos da noite, prenunciam o fim trágico do artista, que morreria meses após ter pintado o Passeio ao Crepúsculo, com apenas 37 anos de idade.
— Felipe Martinez, doutor em História da Arte, Unicamp, 2021
Por Tomás Toledo
Minha primeira memória do MASP remonta à minha infância, aos 8 ou 9 anos. Lembro, em imagens fragmentadas e contaminadas por experiências mais recentes, da galeria do segundo andar, com seu espaço amplo e sua intensa sobreposição de vidro – tanto da fachada quanto das paredes que guardam a escada e os elevadores, mas sobretudo dos cavaletes. Eu não tinha idade suficiente para entender o significado e nem a função dos radicais cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi (1914-1992), que muitos anos depois se tornariam tão próximos de mim, como objeto de estudo e de trabalho. A experiência espacial e visual que o conjunto de cavaletes de vidro impõe ao espectador marcou minha percepção desse ambiente de forma inesquecível. Quando faço o exercício mental de resgatar essa lembrança, o que me vem é justamente uma sensação de amplitude e grandiosidade, pois com a altura de uma criança, o que eu via era uma sobreposição de transparências agigantadas criadas pelos enormes cavaletes. Para ver uma pintura eu tinha que olhar para cima, e lembro-me de ser cativado pelo Passeio ao crepúsculo (1889-90), de Vincent van Gogh. Essa pintura extraordinária, com um uso intenso de cores na representação do pôr-do-sol, mostra um casal caminhando entre as árvores no campo, cena que me leva a memórias, agora recentes, da experiência de caminhar pelos cavaletes de vidro no MASP, como numa floresta de quadros.
— Tomás Toledo, curador-chefe, MASP, 2020
Por Luciano Migliaccio
Para De la Faille (1938, p. 496), o quadro Passeio ao Crepúsculo foi pintado em Saint-Remy, entre outubro e novembro de 1889. Zurcher, Walther e Metzger datam-no de maio de 1890. Camesasca (1989, p. 198) sugere a possibilidade de que o quadro tenha sido iniciado em outubro de 1889, deixado inacabado devido a uma crise do pintor, e retomado apenas em 1890. A obra encontra-se nas várias edições do catálogo de De la Faille e em todos os índices científicos da obra de Van Gogh. Pertenceu a Johanna Gesina Van Gogh Bonger, viúva de Theo, irmão do pintor. Van Gogh começou a pintar o tema dos ciprestes a partir de junho 1889, no hospício de Saint-Remy. Em julho, sofreu uma nova série de ataques que o impediram de trabalhar, mas, no final daquele verão, voltou a pintar com renovada força. Num primeiro momento, representou sobretudo a paisagem que via através da janela de seu improvisado ateliê, depois as paisagens dos arredores. Ao mesmo tempo, começou uma série de cópias de pinturas de Millet, Daumier, Delacroix e Rembrandt, que continuou até maio de 1890. Em outubro de 1889, realizou vários estudos de árvores de oliveira, que são os precedentes do quadro do Masp. Para Camesasca (1989, p. 198), as figuras lembram as gravuras de J.A. Lavielle, intituladas As Quatro Partes do Dia, em particular, A Manhã, que Van Gogh copiou em janeiro de 1890 (Paris, Musée d’Orsay). Segundo o autor, a figura masculina poderia representar o próprio pintor. Zurcher (1985, n. 258) interpreta o Passeio no Crepúsculo como uma alegoria da felicidade e do prazer de viver. Nesse passeio romântico à luz tranqüila do pôr-do-sol, percebe-se uma excitação febril, expressa pelas pinceladas de cores puras que parecem incendiar o espaço da tela. Tais pinceladas representam de maneira concreta a terra argilosa, as oliveiras torcidas, os ciprestes, o céu animado pelo enorme quarto de lua e pelos últimos raios do sol poente. Ao mesmo tempo em que revelam a presença de tais elementos, as cores denunciam o estado de ânimo com que Van Gogh as percebe. A força da luz e da natureza satura e abala os sentidos do pintor deprimido. Ele vive da realidade das coisas que representa, mas sabe também que essa pode apagar a realidade de sua própria existência (Leymarie). Sabemos que, em junho de 1890, Van Gogh sofreu uma crise grave enquanto passeava nos campos perto da clínica. Talvez o desequilíbrio, que se percebe na composição da paisagem e nas poses das próprias figuras, reflita de maneira concreta a precariedade da situação existencial do artista que confia à pintura essa confissão.
— Luciano Migliaccio, 1998