Ainda menino, Benedito Calixto aprendeu com o pai o ofício de marceneiro. Iniciou sua produção como pintor autodidata aos vinte anos de idade. Em 1882, trabalhou nas decorações do teto do Teatro Guarany, em Santos, litoral de São Paulo. Foi apoiado pelo visconde de Vergueiro, um dos magnatas do café daquela época. Viajou para Paris no ano seguinte, onde estudou na Académie Julien com nomes importantes da academia francesa. Além de pintor, Calixto também foi historiador, tendo sido sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e sócio fundador do de Santos. Não à toa, a arte de Calixto revela também um interesse documental. O artista retratou imagens caiçaras, ajudando a criar uma iconografia paulista do final do século 19 e início do século 20. Sua filiação à região, somada à técnica adquirida graças ao ensino acadêmico francês, fizeram dele um dos principais pintores nesse contexto em que o enriquecimento paulista contrastava com rarefeita produção pictórica das paisagens locais, sobretudo a óleo. Calixto dedicou-se a produzir representações de diferentes regiões do litoral paulista, como em Prainha – Itanhaém (Praia de Itanhaém, SP) (1892), Rio Itanhaém, SP (1896), Enseada com barcos, SP (1907) e Canto de praia (Baixada santista), SP (1924). Veem-se vistas de diferentes partes do litoral sul paulista, destacando a sua vegetação, rios, praias, casarios, embarcações e alguns personagens. Na volta da Europa, Calixto trouxe uma câmera e criou o hábito de fotografar. O traço fino de algumas de suas obras revela essa influência da fotografia sobre suas pinturas, realizadas posteriormente à pesquisa fotográfica. A precisão pode ser observada em Porto do Consulado em Santos, SP (1887) e Porto do Bispo, Santos, SP, visto desde o mar (1887). Alguns comentadores apontam que Calixto não necessariamente pintava o que via, mas também suas fabulações e lembranças de um passado recente. O porto do Bispo, representado na obra de mesmo nome, de 1887, por exemplo, era o antigo porto de Santos do início do século 19, o que evidencia se tratar de pinturas que decantavam diferentes temporalidades, compostas pelo pintor. Nota-se esse procedimento também em Porto de Santos, SP (visto à esquerda) e Porto de Santos, SP (visto à direita). Essas pinturas de 1890 revelam o litoral em processo de transformação decorrente da atividade do porto, cuja construção tivera início em 1888, e cuja inauguração se daria em 1892. Calixto pintou um cenário em intensa urbanização e transformação, porém ainda com as marcas de seu passado recente. Nesses dois trabalhos, composições que parecem estar em continuidade, observam- se grandes navios de carga (as primeiras embarcações a vapor desse porte que atracavam na costa paulista), trabalhadores enfileirados carregando sacas de café (compostos em traços negros poucos anos após a abolição da escravidão), e a arquitetura santista da época. Nota-se o contraste entre pequenas embarcações locais, os navios monumentais, e a vegetação tropical ao fundo. As exportações de café definiriam os rumos do estado de São Paulo e do país, sobretudo pelo impulso à industrialização nas décadas seguintes. Calixto pintou um cenário em transformação, no qual diferentes paisagens, temporalidades e velocidades estavam em convivência.
— Guilherme Giufrida, assistente curatorial, MASP, 2018