Portinari é o autor dos painéis Guerra e Paz (1952-1956), na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York, e dos painéis para o edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública, no Rio de Janeiro (1936-1938). Em meados de 1940, quando o debate político se acirrava e as conquistas trabalhistas se estabeleciam no país, Portinari teve um grande engajamento político, tendo sido candidato a deputado federal e a senador pelo Partido Comunista do Brasil. Sua obra sintetiza, no campo da arte, os contrastes que marcam a cultura brasileira: se, por um lado, retratava a elite dominante, por outro, pintava a classe trabalhadora em um estilo que encontra eco na produção artística moderna da América Latina. A obra Retirantes (1944) faz parte da série de mesmo nome, que inscreveu na arte moderna a memória do sofrimento dos migrantes da seca. Assim como em obras literárias da época, como Vidas secas (1938), de Graciliano Ramos (1892-1953), as personagens parecem perder a sua humanidade e se misturar com a natureza dura e violenta. Na pintura, as faces têm a mesma forma e dimensão da Lua; os ossos e os relevos do corpo são semelhantes a pedras. Os sacos e os bebês pesam sobre os adultos, enquanto o rosto e os membros da criança vestida de verde se desfazem. A família de retirantes caminha descalça e aglomerada, seguida pelos urubus.
— Equipe curatorial MASP
Por Erick Santos
No empréstimo de obras entre museus, nós, conservadores, examinamos o estado das peças e, para garantir que elas viagem com segurança, pensamos em caixas e embalagens que as protejam de variações climáticas, trepidações e possíveis impactos. Além disso, como courier, muitas vezes acompanhamos as obras durante toda viagem até a montagem ou desmontagem da obra na exposição. Numa dessas ocasiões, acompanhei o retorno da pintura Retirantes (1944) de Candido Portinari que estava emprestada para uma exposição dedicada ao crítico e curador brasileiro Mário Pedrosa (1900-1981) no Museo Reina Sofia em Madri em 2017. É uma obra de grandes dimensões, e por isso não cabe num avião de passageiros, tendo que viajar em avião cargueiro. O courier também é responsável por supervisionar o manuseio da caixa no aeroporto e por conferir junto à tripulação quais outras cargas estão sendo transportadas, resguardando a segurança da obra. A série Retirantes era composta por cinco pinturas que foram expostas em Paris em 1946. Pietro Maria Bardi, então diretor do MASP, ficou impressionado com as obras quando as viu no ateliê do artista em 1948 e convenceu Assis Chateaubriand, o fundador do museu, a adquirir três delas para o acervo. Lembro da primeira vez que vi, ainda criança, Retirantes no livro da escola. A pintura retrata a seca no Nordeste e o processo migratório, e eu me identifiquei com a cena, lembrando da partida de minha família de nossa cidade natal no Agreste Baiano para tentar uma vida melhor no Sudeste. Hoje, anos depois, tenho a missão, como courier, de ser guardião dessa história e com meu trabalho poder preservá-la e acompanhá-la fora de nossas fronteiras.
— Erick Santos, assistente do núcleo de Conservação e Restauro, MASP, 2020
Entre 1944 e 1945, como em um desdobramento da Série Bíblica, Portinari cria um ciclo de cinco telas, que o artista expõe em Paris em 1946, obtendo um fervoroso comentário de Germain Bazin. As telas são assim denominadas: Criança Morta, Criança Morta, Emigrantes, Retirantes e Enterro na Rede. Delas, o Masp possui três, tendo o Musée d’Art Moderne de Paris adquirido uma das versões de Criança Morta. Embora menos audacioso que a Série Bíblica, o ciclo em questão aponta para divergentes soluções formais que vão desde um diálogo estreito com Siqueiros em Enterro na Rede, até soluções mais pessoais como Criança Morta, obra-prima da série, na qual a figura da criança atinge os extremos expressivos de Cosme Tura.
— Autoria desconhecida, 1998