MASP

Pierre-Auguste Renoir

Retrato da condessa de Pourtalès, 1877

  • Autor:
    Pierre-Auguste Renoir
  • Dados biográficos:
    Limoges, França, 1841-Cagnes-sur-Mer, França ,1919
  • Título:
    Retrato da condessa de Pourtalès
  • Data da obra:
    1877
  • Técnica:
    Óleo sobre tela
  • Dimensões:
    95 x 72 cm
  • Aquisição:
    Doação Luiz Morgan Snell, Walter Belian, Hamiton Prado, Companhia Antarctica Paulista S.A., Orozimbo Roxo Loureiro, 1952
  • Designação:
    Pintura
  • Número de inventário:
    MASP.00097
  • Créditos da fotografia:
    João Musa

TEXTOS



Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) foi um pintor impressionista, ao lado de Claude Monet (1840-1926), Camille Pissaro (1830-1903) e outros. Filho de alfaiates, antes de ingressar na École des Beaux-Arts, foi aprendiz como decorador de porcelanas. A produção de retratos o possibilitava sobreviver como artista: exibindo em salões, alcançava um público que lhe rendia novas encomendas. Renoir ficou conhecido por pinturas de figuras femininas, famílias, e cenas do cotidiano da Paris moderna. Em contraste com personagens boêmios, o Retrato da condessa de Pourtalès (1877) revela como Renoir também transitava nos círculos da alta sociedade. A tela apresenta Mélanie Pourtalès, figura conhecida na sociedade parisiense. Durante o Segundo Império Francês (1852-70), foi dama de companhia da Imperatriz Eugênia, esposa de Napoleão III. Com o império extinto, a aristocracia ainda preservava seu prestígio social. O escritor Marcel Proust menciona a condessa em passagens de Em busca do tempo perdido, como um símbolo de status social. Era uma mulher influente na moda e tinha um dos salões mais requisitados da época. Renoir era um colorista: como os demais impressionistas, ousava em combinação de cores vibrantes. Trouxe essa abordagem para retratos, dando centralidade à figura humana com atenção para detalhes e mudanças de foco. No retrato da condessa, o forte fundo vermelho, reforçado pelo batom, traz um aspecto mais azulado aos tons escuros do vestido da condessa, sugeridos pelo decote.

— Equipe curatorial MASP

Fonte: Instagram @masp 10.04.2020




Por Felipe Chaimovich
Renoir abandonou a pintura manufatureira em 1861, onde começara a trabalhar aos treze anos, após economizar dinheiro para se sustentar com estudante de pintura de quadros. Para tal propósito, passou a estudar com o pintor Charles Gleyre, que abrira uma escola particular onde se podia praticar com modelo-vivo. Gleyre usava a técnica do claro-escuro. Renoir passou a praticar o claro-escuro por interesse nas vendas que um comerciante de quadros lhe prometera. Na escola de Gleyre, Renoir conheceu Alfred Sisley, Fréderic Bazille e Claude Monet. No verão de 1862, foi a Fontainebleau em companhia de Sisley. Ao conhecer o veterano Díaz Peña, recebeu um conselho decisivo: abandonar o claro-escuro, ou seja, adotar a pintura clara: “um dos principais motivos que me fez deixar de pintar em ‘negro’ foi meu encontro com Díaz. Encontrei-o em circunstâncias muito interessantes, num dia de verão em que eu estava trabalhando na floresta de Fontainebleau, onde costumava pintar paisagens com Sisley. (...) timidamente mostrei-lhe a tela em que estava trabalhando (...) ‘Mas por que diabos pinta com tons tão negros?’ Imediatamente comecei outra paisagem, tentando reproduzir a luz que via nas árvores, nas sombras, no solo, tais como eu as percebia. ‘Você ficou louco!’, exclamou Sisley quando viu meu quadro. ‘Que ideia essa de fazer as árvores azuis e o chão roxo!’” Pelos anos seguintes, Renoir desenvolveu a combinação de destreza e rapidez, pintura clara e uso de tinta a óleo opaca. Entretanto, a necessidade de atender a encomendas de quadros que gerassem renda, permitindo que Renoir mantivesse sua prática ainda experimental da pintura rápida, que foi a origem do impressionismo, possivelmente gerou os quadros mais conservadores feitos por ele na década de 1870. O Retrato da Condessa de Pourtalès inscreve-se no grupo de pinturas de transição de Renoir. A condessa Edmond de Pourtalès, nascida Mélanie de Bussière, fora dama de companhia da imperatriz Eugénie durante o reinado de Napoleão III. Com o final da monarquia na França e o início da República, em 1871, os membros da corte imperial atravessavam um período de ambiguidade política durante a década de 1870, mas conservavam sua posição na sociedade aristocrática. A condessa Edmond de Pourtalès integrou durante décadas o grand monde parisiense, como testemunha sua menção por Marcel Proust em Le Côté de Guermantes, publicado entre 1920 e 1921: “Ils étaient certes flattés, sachant que, quand le prince allait à Paris en permission, il dînait chez Mme de Pourtalès, chez les Murats, etc.” Por um lado, a construção do volume da personagem obedece aos princípios do claro-escuro estabelecidos por Tiziano, no século XVI. O fundo mais escuro contrasta com o primeiro plano mais claro. Renoir constrói esse fundo com pinceladas largas que lembram as esfregações dos fundos tardios da obra de Tiziano. Por outro lado, Renoir já evidencia, no primeiro plano, a pincelada rápida e a gama de cores que ele e Monet haviam começado a desenvolver a partir das pochades feitas em Bougival, em 1869. Ambos haviam executado pinturas rápidas ao ar livre Bougival, escolhendo o restaurante La Grénouillère, anexo a uma plataforma de banho sobre o rio, como tema comum. A rapidez da pintura produziu um resultado que o próprio Monet qualificou como “pochade ruim”, numa nota ao colega Bazille. A pochade era o análogo do rascunho pintado amadoristicamente pelo turista pitoresco: uma composição rápida que não visava se transformar em outro quadro, no que se diferenciava do esquisso. O termo fora claramente definido no Tratado completo de pintura, de Paillot de Montabert, publicado em 1829 e 1851: “esses ensaios livres (...), esse trabalho bem grosseiro, todo batido, todo esboçado que seja, produz frequentemente uma tentativa bastante preciosa, e nisso ele é diferente do trabalho ordinário do esquisso, que é executado já com mais ponderação e com menos indecisão”. Renoir e Monet vão praticando o método da pochade nos anos seguintes, despertando o interesse de colegas como Bazille e Sisley. A velocidade na execução da pintura ao ar livre e a licença no uso das cores eram estimuladas pela recente variedade de cores de tinta a óleo existentes no mercado, que permitiam o estabelecimento da cor local com grande amplitude de matizes prontos. O procedimento veloz também era mantido quando os quadros eram completados ao ar livre em dias posteriores, ou retrabalhados em estúdio: as marcas da velocidade de execução tornam-se um diferencial até mesmo quando o pintor já não está ao ar livre. Monet foi pioneiro na extensão do método veloz da pintura ao ar livre a outros gêneros da arte; em 1872, ele pintou uma festa anual na cidade de Argenteuil, para onde havia se mudado, aplicando sua técnica iniciada com a pintura de paisagem da Grenouillère a uma cena de costumes urbana. Ao aplicar o método da pochade de paisagem ao ar livre ao primeiro plano do retrato da condessa Edmond de Pourtalès, Renoir evidencia a extensão do procedimento técnico originário da paisagem para o gênero do retrato. Porém, esse ainda é um quadro que mostra o pintor não totalmente liberto do claro-escuro, fazendo com que convivam duas opções técnicas. Apenas em 1877 Renoir insistiria para que o grupo de pintores com quem expunha desde 1874 suas pinturas baseadas nas pochades ao ar livre assumisse a denominação de “impressionistas”: “o nome de ‘Impressionistas’ veio espontaneamente do público, que ficara ao mesmo tempo divertido e furioso diante de um dos quadros da exposição – uma paisagem feita por Claude Monet e intitulada ‘Impression’. Com esse nome, ‘Impressionistas’, não se tentava transmitir a ideia de novas pesquisas artísticas, mas sim designar simplesmente um grupo de pintores que se contentavam em registrar suas ‘impressões’. Em 1877, quando expus novamente com alguns desses pintores, na rua Lepeletier, fui eu que insisti, novamente, para que se conservasse este nome, ‘Impressionistas’, que nos dava plena visibilidade. Era um título que servia para explicar ao leigo a nossa atitude, e ninguém precisava ser enganado com isso: ‘Eis aqui o nosso trabalho. Nós sabemos que vocês não gostam dele. Se entrarem para nos ver, azar de vocês – não haverá devolução de ingressos’”. A partir de então, Renoir adotou definitivamente o método de pintura que o consagraria.

— Felipe Chaimovich, curador, MAM-SP, 2017

Fonte: Adriano Pedrosa (org.), MASP Boletim nº 17, São Paulo: MASP, 2017.




Por Luciano Migliaccio
Mélanie de Bussière, nascida em 1836, filha de um industrial alsaciano, tornou-se uma das mulheres mais famosas da corte do imperador Napoleão III, após seu casamento com o financista parisiense Edmond de Pourtalès. Ela conheceu Renoir por intermédio do banqueiro Dollfus e encomendou ao artista um primeiro retrato, datado de 1870, hoje no Fogg Art Museum de Cambridge, Massachusetts. Renoir costumava dizer: “Gosto de jóias quando repousam sobre seios suntuosos, mas instintivamente prefiro as imitações, pois a idéia do valor das jóias diminui o prazer que dão”. A concepção da mulher como uma jóia entre outras jóias numa casa da alta sociedade é reforçada pelos detalhes das rendas do vestido, pela tapeçaria vermelha, lembrando os retratos de damas da aristocracia pintados por Ingres. O Retrato da Condessa de Portalès, de Renoir, porém, sugere algo mais sobre a personalidade e o papel social da modelo. Zorzi cita Proust, que poderia ser qualificado como “a perfeita evocação de uma época”, e chama Renoir de o “Proust da pintura”, contudo um artista mais presente, mais imediato, de uma sensualidade mais aberta e mais direta, livre das implicações da memória.

— Luciano Migliaccio, 1998

Fonte: Luiz Marques (org.), Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo: MASP, 1998. (reedição, 2008).



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