Por Luiza Interlenghi
Nessa escultura de Tunga (1952-2016), da série Morfológicas (2014/2017), um misterioso corpo é formado por um par de dedos que apontam para fora e outro que se curva em torno de uma cavidade central ambivalente, aberta entre dois lábios. Esse bojo sedutor e vazio é tensionado por dedos em sentidos opostos: alto e baixo, infinito e chão. A peça é apoiada em um tripé, que a mantém reclinada e afeta as direções apontadas. Os estudos para essa série de esculturas retomam o corpo, cujas partes são recombinadas, distendidas, torcidas e fundidas. Em diferentes materiais e dimensões, foram desenvolvidas durante mais de cinco anos. Desde a década de 1970, Tunga vasculhou camadas do viver até o limiar da morte, numa poética habitada por fragmentos do corpo, ossos, matérias em decomposição e insetos. Em instalações grandiosas, esculturas ou no desenho, performance e vídeo, investigou as torções veladas do desejo em Freud e as transformações da matéria na Alquimia. Disposto a abandonar o que entendemos como o mundo real e penetrar o campo em que certeza e incerteza são equivalentes, palmilhou a fronteira entre sonho e vigília; desafiou a própria noção de identidade, em busca do que, à sombra, se move e se transforma. A série Morfológicas, apresentada na exposição From La Voie Humide, referência à via úmida alquímica, marca uma virada luminosa na poética desse seminal artista brasileiro. Os dedos são expressão da força vital e estas esculturas remontam à conjunção corporal que leva à continuidade da vida – transforma dois em três. Apontam para o amor e afirmam a potência de Eros.
— Luiza Interlenghi, professora do Departamento de Artes, PUC-RJ, 2020