A partir de 22 de março, o público poderá ver no MASP as 122 obras de Giorgio de Chirico cedidas pela Fondazione Giorgio e Isa de Chirico. Com curadoria da crítica de arte e arquiteta italiana Maddalena d’Alfonso, a maioria das obras é da última fase do artista, morto em 1978, chamada de neometafísica. Os trabalhos deste período começam a ser produzidos nos anos 60 e são caracterizados pela exaltação da cor, o caráter seco e a redução poética.
Cidadão do mundo, De Chirico viveu em várias cidades da Europa e também em Nova York, fato que contribuiu para que, em seu trabalho, o imaginário urbano e a cidade encarnassem a dimensão interior e psicológica do homem moderno. A arquitetura está presente em toda a exposição e é um dos motivos centrais da obra do artista, que dizia: “o sentimento da arquitetura é, provavelmente, um dos primeiros que os homens experimentaram. As moradias primitivas encravadas nas montanhas, reunidas no meio de pântanos, indubitavelmente originaram nos nossos antigos avós um sentimento confuso feito de mil outros e que desencadeou, no decorrer dos séculos, aquilo que nós chamamos sentimento da arquitetura”.
Antecessor de algumas das mais importantes propostas do pensamento artístico moderno e contemporâneo, De Chirico promoveu junto a Alberto Savinio, Carlo Carrà e Giorgio Morandi aquela a que chamou de arte metafísica, ou para além das coisas físicas. “A ‘vida silente’ que emana das obras nos dá a sensação não só do sonho, mas também da desolação, da incongruência, do aspecto enigmático do lugar representado”, afirma Maddalena D´Alfonso. Para Teixeira Coelho, curador do MASP, “se Turner, Monet e Van Gogh foram nomes da expressão mais alta do século XIX que entrava numa era que parecia do encanto, De Chirico, Delvaux e Hopper são os profetas de uma nova idade, a do espanto. E não há nada de metafísico nisto; apenas a física mais dura, a realidade mais concreta. Terrível – ainda assim, cativante”.
De Chirico Reloaded
Por Teixeira Coelho, curador do MASP
As telas de De Chirico são das poucas que povoam recorrentemente o imaginário da arte e a imaginação das pessoas: vão e voltam à memória e todos sabemos que existem e como são, mesmo sem saber o quê são. É mais do que se pode dizer da maior parte da arte: estar sempre aí, latentes mesmo para quem nunca as viu ao vivo.
Em lugar de “povoam” seria possível dizer assombram. Como um pesadelo infindável. Suas visões de uma cidade vazia – de um locus solus, um lugar vazio e isolado, como na expressão de Raymond Roussel agora recuperada por uma exposição no Reina Sofia -, uma cidade vazia e habitada por não-homens, por objetos e coisas e pela arte, pelos restos da arte e da civilização, espantaram quando surgiram nas primeiras décadas do século XX e continuam a inquietar agora quando o homem-máquina atual, em sua versão nanotecnológica, já é uma realidade. Suas cidades esvaziadas, premonitórias de uma época em que a bomba de nêutrons poderia matar tudo que vive e deixar intactos prédios e coisas, ressurgiram como signos de um pavor latente que perseguiu a humanidade durante a Guerra Fria. Os seres humanos não foram (ainda) aniquilados, mas sua gradativa transformação em homens-mecanismos, daqueles que habitam Blade Runner, dão razão retrospectiva aos sonhos pesados de De Chirico. Suas cenas urbanas marcadas por sombras equivocadas, inquietantes e geladas, seus trens que se movem sem ninguém são outras tantas máquinas solteiras, na expressão que Marcel Duchamp cunhou em 1913 para designar esses aparatos com lógica e existência própria, independentes do ser humano.
De Chirico não deixou de ser marginalizado pela vanguarda de sua época – ele que, no entanto, estava naquele mesmo instante ao lado e do lado da vanguarda mais radical, a que não se expressa só por conceitos abstratos, mas em imagens reconhecíveis embora igualmente enigmáticas. O rótulo que ele mesmo adotou junto com Carlo Carrà, “pintura metafísica”, pode não ter contribuído para a plena compreensão do que fazia. Se a arte moderna surgiu com a pintura de paisagens, o que libertou o artista da pressão da encomenda dos retratos e lhe deu sua primeira e real autonomia (econômica e de modo de representar o mundo), seria preciso marcar que a pintura que assumiu a cidade como tema deu um passo adiante, esquecendo o programa da modernidade e já agora não no mundo da agradabilidade e da beleza, mas, primeiro, no cenário da agitação, do frenesi e do spleen ainda impulsionadores e, depois, com De Chirico, no quadro do isolamento, da inquietação e do medo, um quadro no qual o homem não mais existe. De Chirico não está sozinho, Paul Delvaux é um par seu, em segunda vertente, e outro é Edward Hopper, numa terceira. Se Turner, Monet e Van Gogh foram nomes da expressão mais alta do século XIX que entrava numa era que parecia do encanto, De Chirico, Delvaux e Hopper são os profetas de uma nova idade, a do espanto. E não há nada de metafísico nisto; apenas a física mais dura, a realidade mais concreta. Terrível – ainda assim, cativante.
Ter a possibilidade de pôr De Chirico ao alcance dos olhos, junto com a Fundação Iberê Camargo e a Casa Fiat de Cultura e graças ao apoio de ambas, é algo para o MASP digno de nota.
Serviço Educativo
Como para as demais exposições temporárias e mostras de obras do acervo realizadas pelo MASP, De Chirico: O Sentimento da Arquitetura - Obras da Fondazione Giorgio e Isa de Chirico tem um programa educativo elaborado especialmente para atender aos visitantes, professores e alunos de escolas públicas e privadas. As visitas orientadas são realizadas por uma equipe de profissionais especializados.
Informações: 3251 5644, ramal 2112.
Veja aqui a programação completa de atividades do Educativo para esta exposição