MASP

TRAMAZUL

15.11.2010 - 23.3.2011

A artista plástica brasileira Regina Silveira vai embalar o MASP com uma obra especialmente pensada para o Museu. É a primeira vez que os órgãos de preservação nacional, estadual e municipal autorizam a intervenção, que tem curadoria de Teixeira Coelho e foi batizada TRAMAZUL. Em imagem digital sobre vinil adesivo, a obra recobre integralmente os vidros externos do Museu na extensão e altura de suas quatro fachadas, voltadas para a Av. Paulista e ruas Carlos Comenale, Plínio Figueiredo e Otavio Mendes. No total, a área coberta tem 2.300 m².

Regina Silveira é conhecida internacionalmente também por obras que interferem em espaços e edifícios, dentro e fora deles, como a instalação Lumen (2005) que cobriu o Palácio de Cristal do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, em Madri; a Tropel Reversed (2009), vinil adesivo de 700 m² sobre o Køge Art Museum, na Dinamarca; as instalações Entrecéu, no Museu da Vale, no Espírito Santo (2007); Claraluz, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo (2003). Em Nova York no Museu Guggenheim, em São Paulo na Pinacoteca e em diversos outros países, a artista fez intervenções internas de repercussão. No MASP – principal museu do Hemisfério Sul, com o edifício criado por Lina Bo Bardi que é símbolo da cidade e referência da arquitetura mundial – a montagem começou no dia 27 de outubro de 2010 e a aplicação do vinil será feita com equipamentos de rapel.

Em TRAMAZUL a imagem é a de um céu azul com nuvens claras, próxima às imagens de céus que se refletem naturalmente nos vidros dos edifícios, com a diferença de estar construída como um gigantesco bordado em ponto de cruz. Nesses céus estendidos pelos quatro lados do museu, agulhas de grandes dimensões e virtualmente fincadas numa trama de azul intenso simulam bordar as nuvens espalhadas pelos vidros, com fios de três tonalidades – entre o branco e o cinza médio. TRAMAZUL se propõe como um falso reflexo e ao mesmo tempo como uma camuflagem que conecta o céu bordado do MASP com os outros céus vizinhos, reais ou refletidos, em um exemplo singular de arte pública ou urbana.


Sobre parar e depois sumir, por Teixeira Coelho, curador.

Há muitos céus hoje, na arte. Sempre houve, na história da arte. Hoje, talvez mais – porque são personagens centrais, não apenas coadjuvantes de alguma outra cena. Não seria difícil para um estudo do imaginário buscar os motivos dessa tendência. Mas, por que, agora, um céu bordado, um céu portanto duplamente evidente? Talvez porque em São Paulo o céu nunca esteja visível, mesmo estando aí. Chegando a São Paulo por avião, o céu é uma barra marrom-amarelo pesando sobre a cidade e anulando o céu verdadeiro. Em Congonhas, há muito tempo, na abóboda do saguão interior que distribui as pessoas para seus destinos, havia uma abóboda e nela um céu pintado, “realista”. Congonhas é o teto de São Paulo, Congonhas já é o céu de São Paulo – mas também em Congonhas era preciso haver um outro céu a abrir um falso buraco para o céu real que os aviões furam a todo instante. Talvez sejam necessários vários céus em São Paulo, vários céus sobre São Paulo. Há uma história do céu sobre São Paulo, que agora inclui mais este.

Regina Silveira tem feitos vários céus. Interiores, como no Museu da Vale, em Vitória; e exteriores, como para uma biblioteca de Nova York (que ainda não se concretizou). Interiores, como na Pinacoteca, há não muito tempo. Exteriores, como este agora no MASP, enorme, envolvente. Regina trabalhou muito tempo em preto&branco, com sombras escuras, por vezes ameaçadoras. Agora convoca céus, azuis&brancos.

Seu tom, neste caso, é o de arte pública, arte urbana como se diz também, de modo talvez algo torto (a arte é sempre urbana ou não é). Como São Paulo ainda é muito feia, com uma arquitetura apressada, rabiscada, empacotada, apertada, sobreposta, num cenário comprimido, a arte pública deveria ser um recurso permanente. Ainda não é. Regina Silveira vem há tempos dedicando-se ao gênero, talvez mais no exterior, onde a receptividade e a consciência dessa necessidade são mais intensas. Mesmo assim, alguém se lembrará de um tropel que ela aplicou à fachada da Bienal, há alguns anos, e de outras instalações ou “passeios” (com projeções) menos ou mais provisórias pelas ruas da cidade. No exterior, dois casos se destacam: a fachada do Taipei Fine Arts Museum, de Taiwan, e o Palácio de Cristal em Madrid, antológicos em sua história pessoal.

Uma arte singular, a sua. Não é difícil de apreender -- ao contrário de muitas outras que ainda insistem na rarefação do sentido --, sem deixar de ser sofisticada nos recursos e efeitos. Fazer um céu bordado poderia apontar para a opção por uma “arte de gênero”, como eufemisticamente se diz hoje em vez de apontar-se para o que está por trás dessa palavra: uma arte de sexo, com sexo. O céu é bordado, portanto, de acordo com o código pronto, seria um céu feminino, anti-feminista ou pós-feminista, conforme a leitura. É um céu bordado, um céu que precisar ser colado a uma fachada que nunca serviu tanto à arte como agora. O céu em São Paulo escapa aos olhos, portanto ao corpo, com assombrosa rapidez: o céu colado ficará estacionado algum tempo no MASP. Com ele, o tempo ficará também parado, como parados ficarão os que quiserem dele usufruir. Arte contemporânea contra o fluxo das coisas e no entanto arte contemporânea que em pouco tempo sumirá dessa fachada, ela também – uma arte que aceita sumir. A eterna precariedade dos céus encontra-se com a transitoriedade da arte atual, em harmonia passageira.