O curso fará uma leitura e uma reflexão crítica sobre conjuntos de exposições que originaram catálogos de arte com autoria e organização indígenas. A partir da leitura de Els Lagrou (2009), discutiremos a produção da Arte Indígena Contemporânea (AIC), e os temas que ainda precisam ser descaracterizados nacionalmente, como os conceitos de arte, artefato, artista individual e artista coletivo que assombram politicamente a AIC. Visitar os catálogos é uma maneira de conhecer mais a AIC. A leitura em conjunto de uma escrita crítica de autoria indígena pode ser um caminho para a descolonização de imagens que foram historicamente rebaixadas pelo meio artístico, o que levou ao isolamento, à exclusão e à subserviência dos povos indígenas no país. Nas pinturas e instalações contemporâneas debateremos as representações cunhadas desde a identidade e paradigmas próprios aos povos originários.
A Arte Indígena Contemporânea, ao questionar a noção ocidental de arte e estética, a distinção entre arte e artefato e a figura do artista enquanto indivíduo criador, tenciona a tradição artística nacional. A AIC está duplamente inserida na produção cultural coletiva e ancestral dos sujeitos indígenas no seio de seu povo, seja em contexto urbano - em terras não demarcadas ou reconhecidas pelo governo brasileiro -, seja por povos em contextos rurais assentados em territórios indígenas legitimados pelo Estado. Paralelamente, atua na corporificação de indivíduos e coletivos empenhados em continuar a tradição ancestral étnica e originária de povos indígenas.
Esta ação contínua da autoria coletiva - bem como a aquisição do formato ocidental em que, a partir de sua identidade de indivíduos coletivos, sujeitos indígenas criam a sua arte - comunica o desejo de demarcar simbolicamente e de recrudescer, com o corpo indígena e artístico, debates que atravessam os temas: nacionalidades (etnias), culturas, religiões e políticas, desde o pertencimento às respectivas origens.
Ao longo do curso discutiremos como a AIC tem sido apresentada nos catálogos publicados, os quais buscam a apreciação de artistas e coletivos indígenas desde um lugar que reconheça a expressão e debata especificidades culturais indígenas; são eles: Moquém Surarî (2021), Nakoada (2022), Joseca Yanomami (2022), MAHKU: mirações (2023) e Carmézia Emiliano: árvore da vida (2023).
Aula 1 – 7.9.2023
O que é Nakoada?
O conceito de arte a partir de Nakoada é o ponto de partida para debater-se a Arte Indígena Contemporânea. Nakoada é uma estratégia do povo Baniwa em relação aos seus inimigos, praticada a partir do acesso à cultura e aos saberes de outros para perpetuar a existência do próprio povo (Francy Baniwa e Idjahure Kadiwel, 2022). Nesse sentido, a partir de Nakoada, será discutido nesse encontro como a AIC se apropria de ferramentas e espaços do “inimigo”, isto é, da sociedade envolvente brasileira, para perpetuar a sua sobrevivência e alçar uma condição sine qua non de autonomia/autodeterminação/autorrepresentação.
Aula 2 – 14.9.2023
Moquém_Surarî
O catálogo da exposição Moquém_Surarî apresenta a realidade e a metáfora da constelação do Moquém. Nesse encontro, avaliaremos o desejo de recepção do artista macuxi Jaider Esbell de expandir o moquém como conceito para a AIC, bem como o desejo de agregar mais artistas indígenas aos espaços de difusão de arte. Ainda, o desejo de semear um outro sistema de arte, próprio aos povos originários, capaz de transformar o redutor sistema vigente-moderno que se impõe. Aqui, os conceitos de movimento e transformação serão considerados como condutores do encontro.
Aula 3 – 21.9.2023
Carmézia Emiliano: árvore da vida e Joseca Yanomami
A partir das imagens da autorrepresentação da artista macuxi Carmézia Emiliano, discutiremos a presença de obras que representam corpos indígenas na AIC e na arte brasileira. Também, como o catálogo é um convite ao vislumbre da cultura macuxi (Roraima e Guiana) ao umbigo do mundo: a Wazacá, a árvore da vida, a origem do mundo macuxi, a memória da terra presente no tepui Monte Roraima. Nesta aula será contada especificidades da cultura macuxi, debatendo a presença da língua e paisagens, fauna e flora a partir da apresentação da artista.
Considerando a proximidade territorial e as diferenças de povos, a vizinhança será usada como ponto de convergência para apresentar as palavras da gente-floresta artisticamente representada por Joseca Yanomami, que compartilha a cosmologia do povo ao qual pertence.
Aula 4 – 28.9.2023
MAHKU: mirações
O coletivo MAHKU compartilha no catálogo a origem de Nixi Pae, a medicina conhecida como ayahuasca. A narrativa de origem denota como a cosmologia é guia na produção artística do coletivo e, mais que isso, como os quadros narram a origem dos modos de vida, da identidade, e do conjunto de grafismos que empregam, sendo primeiro pintados na pele e agora nas telas. Nesse encontro, ressalta-se a tradição do grafismo no corpo, a primeira tela indígena, e depois as telas que foram vendidas para reaver terras ancestrais e manter a sociedade Huni Kuin viva.
IMPORTANTE
As aulas serão ministradas online por meio de uma plataforma de ensino ao vivo. O link será compartilhado com os participantes após a inscrição. O curso é gravado e cada aula ficará disponível aos alunos durante cinco dias após a realização da mesma. Os certificados serão emitidos para aqueles que completarem 75% de presença.
Trudruá Dorrico pertence ao povo Makuxi. Doutora em Teoria da Literatura na PUCRS. É escritora, artista, palestrante, pesquisadora de literatura indígena. Venceu em 1º lugar o concurso Tamoios/FNLIJ/UKA de Novos Escritores Indígenas em 2019. Administradora do perfil @leiamulheresindigenas no Instagram. Curadora da I Mostra de Literatura Indígena no Museu do Índio (UFU). Autora da obra Eu sou Macuxi e outras histórias (Caos e Letras, 2019). Curadora do FeCCI - I Festival De Cinema Indígena, Brasília (2022). Foi residente no Cité Internationale des Arts (Paris, 2023). Atualmente está no pós-doutorado no Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação Emergentes e em Consolidação PDPG - Pós-Doutorado Estratégico/UFRR (2023-2024).