Francis Bacon: a beleza da carne visa refletir sobre a obra do célebre artista irlandês Francis Bacon (1909-1992), adotando uma abordagem incomum ao destacar os elementos queer tanto em sua produção artística como em sua vida pessoal. De forma um tanto surpreendente, boa parte da crítica e da história da arte canônica buscou não abordar as questões queer que permeiam suas pinturas, evitando controvérsias sobre sua homossexualidade. Bacon precisou enfrentar as normas sociais, confinando sua vida pessoal a espaços reclusos, algo comum na experiência homoafetiva naquela época. Com uma perspectiva contemporânea da obra do artista, o grupo de estudiosos reunido para este seminário abordará as diferentes formas por meio das quais Bacon abriu caminho para a presença queer na cultura visual ocidental. Tal como este, o seminário tem a intenção de provocar, preparando o terreno para uma grande exposição dedicada ao artista no Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 2024. Já é hora de desafiar alguns dos estereótipos e clichês associados à obra de Bacon.
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ORGANIZADORES
Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP
Fernando Oliva, curador, MASP
Laura Cosendey, curadora assistente, MASP
TRANSMISSÃO AO VIVO
O seminário terá transmissão online e gratuita por meio do perfil do MASP no YouTube, com tradução simultânea para Libras, português e inglês.
CERTIFICADO
Para receber o certificado de participação, é necessário realizar um cadastro por meio de um link que será fornecido durante o seminário. Os certificados só serão enviados para o e-mail cadastrado dos que assistirem ao seminário.
Quinta, 11.5.2023
10H30
INTRODUÇÃO
Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP
10H40 – 12H
SIMON OFIELD-KERR
Enfrentando Francis Bacon, mais uma vez!
Os interesses de pesquisa de Simon Ofield-Kerr concentram-se em relações entre práticas, prazeres e identidades sociais/sexuais nas culturas visuais e literárias. Nesta palestra, Ofield-Kerr continua a enfrentar a obra de Francis Bacon, em especial sua pintura Two Figures [Duas figuras] (1953), abordando-a por meio de um arquivo de textos escritos e visuais populares e banais relacionados a práticas e prazeres sociais/sexuais que, na década de 1950, eram cada vez mais identificados, na imprensa popular, como “homossexuais”. Propõe-se que Two Figures seja vista dentro de uma história de encontros sociais e sexuais entre homens, orquestrados pelas diferenças de classe e influenciados por uma economia sexual e visual do modernismo alemão da década de 1930. A palestra discute como essa economia é popularizada e reapresentada nas páginas de revistas britânicas e estadunidenses de fisiculturismo, forma física e luta livre da década de 1950, e como os anúncios publicitários nessas publicações fornecem um contexto popular para compreender a pintura de Bacon.
GREGORY SALTER
Francis Bacon e a experiência queer além da Grã-Bretanha na década de 1950
Na década de 1950, Francis Bacon fez várias viagens a Tânger, no Marrocos, em parte para acompanhar Peter Lacy, seu amante na época. As poucas pinturas produzidas no Marrocos (ou que, de alguma maneira, fazem referência ao país) que sobreviveram foram pouco exploradas nos estudos sobre Bacon. Ao mesmo tempo, o Marrocos, e principalmente Tânger, havia se tornado um espaço que atraía turistas e personalidades culturais queer nos anos pós-guerra. Esta palestra baseia-se em pesquisas realizadas sobre a relação entre a arte de Bacon e contextos queer na Grã-Bretanha, e questiona como essas histórias podem ser ampliadas com a atenção voltada aos espaços fora do país visitados por homens homossexuais britânicos. A partir de pinturas do período no Marrocos, como Man Carrying a Child [Homem carregando uma criança] (1956), e Landscape Near Malabata, Tangier [Paisagem próxima a Malabata, Tânger] (1963), Salter argumenta que espaços internacionais como Tânger foram cruciais para a negociação e articulação de Bacon sobre a experiência queer nos anos pós-guerra.
Mediação:
Fernando Oliva, curador, MASP
13H30 – 15H
RICHARD HORNSEY
As cabeças de Bacon e a fragmentação do rosto masculino homossexual na Grã-Bretanha pós-guerra
A palestra trata a série Heads, obras de Bacon com cabeças "diluídas", como uma resposta estética à posição sociopolítica queer na Grã-Bretanha pós-guerra. No início da década de 1950, a crescente vigilância policial tornou a ocupação de espaços públicos cada vez mais frágil para homens homossexuais. Enfrentando problemas de revelação e prova, as autoridades jurídicas desenvolveram um conjunto de clichês homossexuais visíveis (gestos, expressões faciais, uso de maquiagem) que era usado nos tribunais como prova do desejo na superfície do corpo de um suspeito. Ao mesmo tempo, ativistas pela descriminação alegavam que os homens homossexuais eram cidadãos legítimos precisamente porque a sexualidade deles era invisível, banindo, assim, aqueles que não conseguiam (ou se recusavam a) passar despercebidos no espaço público. As cabeças de Bacon no início do pós-guerra repercutem esse momento, interagindo com as estruturas do retrato pictórico do estado cotidiano. Por fim, argumenta-se que as cabeças de Bacon, diluídas e fragmentadas, exploravam a contradição da tentativa de ocupar o espaço público pós-guerra tanto como um homem homossexual quanto um cidadão legítimo.
DOMINIC JANES
Bacon, corpos musculosos e a cultura material erótica
Hoje em dia, reconhece-se amplamente que Francis Bacon não só era um homem homossexual interessado em BDSM, como também que sua sexualidade desempenhou um importante papel em sua arte. Esse reconhecimento, no entanto, ainda o posiciona em um conjunto de categorias identitárias familiares e deixa de lançar luz nas particularidades de sua imaginação erótica. Com isso em mente, explorarei as complexas formas em que o erotismo e a cultura material interagiam na vida e nas pinturas de Bacon. Essa abordagem se baseia nas primeiras definições históricas que tratavam da sodomia como transgressões físicas de alcance muito mais amplo do que apenas sexo anal. Revisita as imagens homoeróticas da metade do século 20 de maneiras que perturbam os conceitos binários de humano e animal, carne humana e carne animal, sujeito e objeto, que serviam para demarcar a normatividade heterossexual e homossexual ao longo da vida do artista.
Mediação:
Leandro Muniz, assistente curatorial, MASP
15H – 16H30
RINA ARYA
Queerizando a obra: um olhar contemporâneo sobre Bacon
Bacon era um pintor audacioso que retratava o esplendor cru do corpo masculino. Pintando numa época em que a homossexualidade era criminalizada, Bacon retratava o desejo homoafetivo de várias formas, fosse furtivamente, por meio de cópulas frenéticas, de alguma maneira veladas, fosse mais pelo olhar homoerótico. Afastando-se dessa perspectiva e adotando-se uma lente contemporânea, pode-se entender que Bacon comentasse de forma mais ampla sobre o que agora entendemos como queer, um termo interpretado como uma ofuscação ou ambiguidade sobre categorias. De muitas maneiras, suas representações são sobre o corpo em desejo pulsante, voltando à vida, despedaçando-se e dissolvendo-se em névoa etérica. Esta palestra considera os corpos de Bacon como queer, no sentido de transitar entre gêneros e sexualidades, mas desejosos, vitais, porém profundamente vulneráveis.
PAULO HERKENHOFF
Francis Bacon e a carne viva da pintura
Se recorrermos ao aforismo de Paul Éluard, retomado por Maurice Merleau-Ponty em O olho e o espírito, de que todo pintor empresta seu corpo à pintura, então cabe indagar qual corpo é emprestado por Francis Bacon a sua arte. É um corpo dilacerado pela voracidade do seu desejo homoafetivo, tragado por algum problema físico-anatômico do Outro. Assim, Bacon é um Merleau-Ponty desesperado com as vísceras expostas, como no quadro de Rembrandt A lição de anatomia do doutor Nicolaes Tulp (1632). Bacon pode ser considerado um “antropofágico” na dimensão da cultura brasileira do Manifesto Antropófago (1928) do poeta Oswald de Andrade. “Só me interessa o que não é meu.” Só me interessa a carne do outro. Louise Bourgeois nutria uma paixão canibal por Bacon. No entanto, o Bacon que mais se aproxima do páthos antropofágico pode ser pensado por meio do transgressivo artista brasileiro Arthur Barrio, porque ambos são artistas da carne selvagem e simultaneamente filosófica.
Mediação:
Matheus de Andrade, assistente curatorial, MASP
16H30 – 17H30
Uma conversa com MICHAEL PEPPIATT
Francis Bacon: em seu sangue
Michael Peppiatt conheceu Francis Bacon em junho de 1963, na French House, no Soho, ao requisitar uma entrevista do artista à revista estudantil da qual era editor. Bacon o convidou para um almoço, eles iniciaram uma amizade e um diálogo sem limitações que perdurariam até a morte de Bacon, trinta anos depois. Fascinado pelo brilhantismo e pelo carisma do artista, Michael o acompanhava em seu giro noturno, regado a álcool entre hotéis, clubes decadentes e cassinos, observando todos os aspectos da “vida glamorosa e vulgar” de Bacon e conhecendo todos à volta dele. Ele também costumava discutir pintura com Bacon em seu estúdio, onde apenas os amigos mais próximos do artista tinham permissão de entrar. Apesar do caos que Bacon criou ao seu redor, Michael conseguiu registrar muitas de suas conversas, que tratavam de todos os aspectos da vida e da arte, do amor e da morte, do que era revelador e hilário, bem como do que era comoventemente trágico.
Mediação:
Laura Cosendey, curadora assistente, MASP
DOMINIC JANES
Dominic Janes é professor titular de História Moderna na Keele University e Professorial Fellow na University for the Creative Arts. Historiador cultural, estuda textos e imagens visuais relacionados à Grã-Bretanha nos contextos local e internacional a partir do século 18. Nessa esfera, ele se concentra nas histórias de gênero, sexualidade e religião. Seus livros mais recentes são Freak to Chic: "Gay" Men in and Out of Fashion after Oscar Wilde [Do esquisito ao chique: homens “gays” dentro e fora da moda depois de Oscar Wilde] (Bloomsbury, 2021) e British Dandies [Dândis britânicos] (Bodleian Publishing, 2022). Foi agraciado com vários prêmios de pesquisa, incluindo bolsas do AHRC e da British Academy.
GREGORY SALTER
Greg Salter é professor de História da Arte na University of Birmingham. Publicou o livro Art And Masculinity In Post-War Britain: Reconstructing Home [Arte e masculinidade na Grã-Bretanha pós-guerra: reconstruindo o lar] em 2019. Atualmente, desenvolve um projeto de pesquisa que trata de histórias transnacionais de arte queer britânica entre 1957 e 1988.
MICHAEL PEPPIATT
Michael Peppiatt é membro da Society of Authors e da Royal Society of Literature. Foi curador de inúmeras exposições, especialmente retrospectivas de Francis Bacon e Alberto Giacometti na Europa e nos Estados Unidos. Em 2004, Michael foi o curador da exposição Francis Bacon: The Sacred and the Profane [Francis Bacon: o sagrado e o profano] (IVAM, Valência, e Musée Maillol) e, em 2006, de Francis Bacon in the 1950s [Francis Bacon na década de 1950], organizada no Sainsbury Centre, em Norwich. Em 2004-2005, organizou uma retrospectiva itinerante da obra de Tàpies para três locais no Brasil. Recentemente, Peppiatt fez a curadoria da exposição "Francis Bacon: Man and Beast" [Francis Bacon: homem e fera] na Royal Academy of Arts.
PAULO HERKENHOFF
Paulo Herkenhoff foi curador da XXIV Bienal de São Paulo, dedicada à autonomia da arte brasileira com a problematização da antropofagia (1998), da qual fez parte a obra de Francis Bacon; professor catedrático no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) (2019) e agraciado com a Grã-Cruz do Mérito Cultural (2015). Ex-diretor cultural do Museu de Arte do Rio (2013-2016).
RICHARD HORNSEY
Richard Hornsey é professor associado em História Britânica Moderna na University of Nottingham, no Reino Unido. Publicou The Spiv and the Architect: Unruly Life in Postwar London [O vigarista e o arquiteto: a vida desregrada na Londres pós-guerra] (University of Minnesota Press, 2010). Seu trabalho mais recente investigou o impacto da produção em massa na cultura britânica entreguerras, tema de seu próximo livro. Atualmente, desenvolve também um projeto financiado que visa explorar a dinâmica colonial de medicamentos sem prescrição na rede britânica de farmácias Boots The Chemists.
RINA ARYA
Rina Arya é professora titular de Cultura e Teoria Visual na University of Huddersfield. Nos últimos quinze anos, tem produzido inúmeros textos sobre as pinturas de Francis Bacon, com particular interesse nas perspectivas teóricas da obra do artista. Escreveu sobre as expressões de homossexualidade de Bacon, os aspectos religiosos de suas pinturas e as formas como tempo e espaço são mapeados em sua obra. Sua monografia, Francis Bacon: Painting in a Godless World [Francis Bacon: pintando em um mundo sem Deus] (2012) foi muito elogiada. Palestrou na Royal Academy, em Londres, em 2022, durante a exposição Francis Bacon: Man and Beast [Homem e fera]. Seu artigo Bacon’s beasts: The pathos of the animal [As feras de Bacon: o páthos do animal], será publicado em breve no The British Art Journal.
SIMON OFIELD-KERR
O professor Simon Ofield-Kerr é reitor da Norwich University of the Arts. Ofield-Kerr estudou Belas-artes no Exeter College of Art and Design, fez mestrado em História Social da Arte e doutorado na University of Leeds, no Reino Unido. Iniciou sua carreira acadêmica na Leeds e passou por diversos cargos de liderança na Middlesex University e na Kingston University, onde foi diretor executivo da Faculdade de Arte, Design e Arquitetura. Antes de ingressar na University of the Arts London (UAL) em 2017, foi reitor da University for the Creative Arts.