Reynolds foi um dos mais importantes retratistas ingleses da segunda metade do século 18. Suas referências são a Antiguidade clássica, a escola veneziana e, especialmente, a obra de Ticiano com sua linha livre, jogos de luz contrastados e cores vibrantes. É o caso do retrato dos filhos de Edward Holden Cruttenden. Funcionário da Companhia das Índias Orientais [East India Company], viajou para Calcutá, onde se tornou diretor e dono de uma frota e teve três filhos com Elizabeth Jedderie, que faleceu em 1757 durante a Guerra com o rei de Bengala. De volta à Inglaterra, Cruttenden encomendou a Reynolds esse retrato de seus filhos com a ama, que os teria salvado durante o saque do Fort William em Calcutá, em 1756. No primeiro plano, as crianças são representadas com trajes da última moda da época, em uma atitude que simula certa espontaneidade e movimento de uma brincadeira em um bosque. Atrás deles, em uma atitude de recolhimento, a ama parece dirigir um olhar tímido mas cuidadoso para as crianças, enquanto colhe flores para confeccionar uma guirlanda. Apesar de condição de subordinada, Reynolds a situa no centro da composição e confere um brilho que destaca as suas vestes brancas. A presença de uma pedra que se assemelha a um altar ou uma tumba no lado esquerdo da composição sugere que talvez essas flores fossem destinadas a homenagear a falecida esposa de Cruttenden.
— Equipe curatorial MASP, 2017
Edward Holden (1721-1763) era filho de Robert Cruttenden, citado no Gentleman’s Magazine de 1763 (p. 314) como contador do então célebre Penny Post Office, um serviço de correios criado em 1680 por William Dockwra. Aos 16 anos, em 1737, Edward partiu para Calcutá como escriturário da East India Company. Na Índia, casou-se com Elizabeth Jedderie, então com 16 anos, com quem teve três filhos: Elisabeth (1752), Sarah (1754) e Edward H. Cruttenden II (1756). Viúvo desde 1756, Edward Holden amealhou fortuna na Índia, como diretor da East India Company e proprietário de uma frota.
Ao seu retorno à Inglaterra, encomenda a Reynolds o retrato dos filhos e da ama Jubah. A presença da melancólica e sublime nurse indiana, que colhe flores para trançar guirlandas para os pequenos Cruttenden, dever-se-ia à afeição que lhe devotavam às crianças, salvas por ela durante o saque de Fort William de Calcutá pelo nawab Siraj-ud-Dawlah de Bengala, em 20 de junho de 1756, durante o massacre conhecido pelo nome de “Black-Hole de Calcutá”. A narrativa sente entretanto ao romance, e Camesasca chama a atenção para a incidência de amas na retratística inglesa desde Van Dyck e, novamente, em Reynolds (Retrato do Capitão John Foote, Nova York, City Art Museum). De qualquer modo, a data do quadro não seria 1759, proposta por Graves e Cronin, mas c.1763, conforme precisa Waterhouse. A tentativa de Camesasca de retardar por razões estilísticas a data do quadro para além de 1775 não pode ser acolhida por motivos elementares, dentre os quais a idade das crianças, e só se explica porque o historiador ignorava suas datas de nascimento. Possivelmente poucos anos após este quadro, ou seja em 1767-1769, Edward H. Cruttenden posou para outro retrato de Reynolds, conhecido por uma cópia. Elisabeth (1752-1816), mais tarde Mrs. Charles Purvis, e sua irmã, Sarah, serão em 1771, com respectivamente 19 e 17 anos de idade, retratadas por Gainsborough, em seu período de Bath. O retrato, de localização ignorada, permaneceu, como o do Masp, nas famílias Purvis e Kennedy, até ser vendido por Duveen entre 1931 e 1957 (Waterhouse 1958, p. 61). A obra do Masp Elisabeth, Sarah e Edward, Filhos de Edward Holden Cruttenden, pertenceu à coleção de Marshall Field, proprietário do Chicago Sun and Times Co.
O retrato do Masp encontra-se em penoso estado de conservação. Trata-se, malgrado tudo, de um momento maior da retratística de Reynolds, pela inefável liberdade rítmica, quase coreográfica, da composição, pelo jogo entre a força comunicativa dos olhares e o recolhimento da ama, pelas tonalidades lunares e desmaiadas da paleta, que encontram seu centro de gravidade no branco puro das vestes de Jubah.
— Autoria desconhecida, 1998