Filho de um banqueiro, Cézanne estudou direito em Aix, mas após sua primeira viagem a Paris, em 1861, resolveu dedicar-se à pintura, depois de conhecer as obras clássicas do Louvre, Courbet (1819-1877) e Manet (1832-1883). Até a década de 1880, sua produção possuía traços românticos, inspirada sobretudo pelo lirismo e pela técnica pictórica de Eugène Delacroix (1798-1863), artista que admirou ao longo de toda a vida. Participou, sem sucesso, das exposições do grupo impressionista em 1874 e 1877, para depois se retirar na Provença. Cézanne foi muito admirado por um restrito grupo de jovens artistas, ainda que ignorado pelo público e rejeitado nas exposições oficiais. De 1899 até depois de sua morte, o interesse em sua obra foi crescendo, sendo considerada uma das bases de todo o desenvolvimento da arte moderna. O grande pinheiro (1890-96) parece ser o mesmo de outras três pinturas de Cézanne. A parte de cima da tela foi ampliada em 12 centímetros, para deixar a composição mais proporcional e equilibrada. Uma carta do artista ao amigo Émile Zola (1840‑‑1902) conta que, sob aquele pinheiro, plantado na beira de um abismo, Cézanne se protegia do sol quando criança. Mais que uma paisagem, o pinheiro tem uma individualidade, é um tipo de herói para o pintor: seu tronco é vigoroso e as folhas quase alcançam o céu. Acredita-se que esta pintura tenha sido feita com base numa fotografia.
— Equipe curatorial, MASP
Por Luciano Migliaccio
Durante a realização da pintura de O Grande Pinheiro, Cézanne acrescentou à margem superior da tela uma faixa de cerca de 12 centímetros de altura, indicativa da busca do pintor por uma medida proporcional perfeita, comparável à de Poussin. É provável que Cézanne, insatisfeito com o resultado, retomasse pelo menos mais três vezes o trabalho nesta composição (Kostenevitch 1986). A paisagem parece ser a mesma do Grande Pinheiro perto de Aix (São Petersburgo, Ermitage), do Grande Pinheiro e Rochas Vermelhas (Coleção Lecomte, Paris) e da aquarela Estudo de Árvore (Zurique, Kunsthaus).
A datação da obra na literatura crítica é variável. Javorskaya e Reff datam-na entre os anos 1895 e 1897, Rewald entre 1890-1895 e Cooper entre 1889 e 1891. Provavelmente, foi pintada em Montbriant na propriedade de Conil, cunhado do artista, entre 1892 e 1896 (Camesasca 1979, p. 72 e 1989, p. 118). Para Schapiro, a árvore representada teria sido cara ao artista desde a infância e é citada em uma carta de 1858 a Zola: “Lembra-se do pinheiro plantado à beira do Arc, debruçando sua cabeça de longos cabelos sobre o abismo que se abre aos seus pés? O pinheiro que protegia nossos corpos do calor do sol com seus ramos. Ah! Possam os deuses protegê-lo do machado do lenhador!” Cézanne referiu-se à mesma árvore no seguinte verso de 1863: “E a árvore sacudida pelo vento furioso, ondula no ar como um corpo imenso/ Seus ramos curvos esfolados flutuam no mistral”.
Segundo Schapiro, domina neste quadro uma concepção lírica na qual a árvore é representada como uma individualidade heróica, expressa em cada parte, desde o tronco torturado, porém vigoroso como nenhum outro, até os galhos e as folhas que quase alcançam o céu. Cézanne tende, nesta fase de sua vida, a uma solidez homogênea e sintética, que o artista alcança através da fluida e transparente fusão das cores. Suas árvores, em vez da forma maciça das colunas, assumem um relevo mais profundo, com seus ramos caídos e ondulantes. A composição merece ser considerada em si mesma. Em nenhum outro de seus quadros a paisagem evidencia tamanha independência em relação à tradição anterior. Talvez a obra de Theodore Rousseau, Diário do Verão (Paris, Louvre), possa ser considerada sua predecessora, porém de forma muito distante, inclusive em relação à iconografia. Pelo menos numa ocasião, em Neve ao Sol em Fontainebleau (Nova York, Museum of Modern Art), Cézanne usou uma fotografia, encontrada em seu ateliê após sua morte, como fonte de inspiração. Camesasca (1989, p. 120) sugere que, para a realização do quadro do Masp, Cézanne tenha usado um calotipo feito por Fox Talbot em 1840, hoje guardado no London Science Museum.
— Luciano Migliaccio, 1998