Renoir conheceu Claude Monet (1840‑1926) ainda na juventude, quando frequentava ateliês e estudava na École de Beaux‑Arts de Paris. Com Camille Pissarro (1830‑1903) e Alfred Sisley (1839‑1899), formaram o primeiro núcleo dos impressionistas que renovaram a técnica e os temas da pintura da época. No grupo, Renoir ficou conhecido por suas cenas dos cafés e bares de Paris e também pelos nus femininos. Interessava‑se pela representação da figura humana, diferentemente dos outros, mais preocupados em captar a sensação visual produzida pelo motivo ao ar livre. As doze pinturas de Renoir da coleção do MASP cobrem quase toda a carreira do artista, desde sua juventude até a velhice. Rosa e azul retrata as meninas da família Cahen d’Anvers. Durante a exposição da obra na Fondation Pierre Gianadda, na Suíça, em 1987, revelou‑se o destino cruel de Elisabeth, a garota de azul. Enquanto visitava a mostra, um sobrinho seu a reconheceu na pintura e escreveu ao MASP contando que, em 1944, ela havia morrido em um trem a caminho do campo de concentração de Auschwitz, aos 69 anos. A pintura destaca‑se, no conjunto, pelo detalhamento excepcional dos vestidos, pelos relevos em branco que formam os babados e pelo cetim reluzente.
— Equipe curatorial MASP, 2015
Por Erick Santos
Alguns pedidos de empréstimos de obras da coleção são negados por causa da fragilidade da obra ou por estar comprometida em exposição no MASP. Rosa e azul-As meninas Cahen d'Anvers de Renoir, durante um longo período permaneceu no museu por ser uma das pinturas preferidas do público. A obra retrata as irmãs Alice de vestido rosa e Elisabeth de azul, filhas do banqueiro judeu Louis Raphael Cahen d’Anvers. O resultado da pintura não agradou aos pais e a obra foi colocada na área habitada pelos empregados, talvez pela expressão de choro de Alice, provavelmente exausta de manter a pose enquanto Renoir as pintava. A pintura apresenta rica superfície em que o tapete estampado e a volumosa cortina escura contrastam com as pinceladas cheias de movimento nos exuberantes e iluminados vestidos de festa e seus laços de cetim. Em 2014 acompanhei o empréstimo da Rosa e Azul, viajando com a obra para exposição Renoir na Fundação Pierre Gianadda, em Martigny, Suíça. A obra foi transportada em caixa especial, e por apresentar alguns craquelês (espécie de rachaduras consolidadas) nas áreas de tinta vermelha, viajou com um sensor de umidade e temperatura dentro da caixa registrando as variações climáticas e a eficácia do seu fechamento. Em 1988 a pintura esteve pela primeira vez nesta fundação, na mostra Tesouros do Museu de São Paulo. Na ocasião, o sobrinho Jean de Monbrosion, ao ver a obra, escreveu ao museu relatando que Elisabeth, mesmo convertida ao catolicismo, por causa de sua origem judaica, foi levada para o campo de concentração nazista em 1944 e morreu a caminho de Auschwitz com 69 anos.
— Erick Santos, assistente no núcleo de Conservação e Restauro, MASP, 2020
Por Lilia Schwarcz
Em 2016 participei, junto com Fernando Oliva e Adriano Pedrosa, da curadoria da primeira exposição que abriu o projeto Histórias do MASP: Histórias da infância. Ainda lembro do impacto que senti ao ver, logo na abertura da mostra, três obras dispostas na mesma parede: Rosa e azul (1881) de Pierre-Auguste Renoir; uma foto da série Brasília teimosa (2005), de Bárbara Wagner e Fascinação (1909), de Pedro Peres. Lá estavam três imagens em diálogo, sem respeitar tempo, origem, ou suporte. Seja na figura da menina negra que observa, desconfiada, uma boneca branca; seja na representação orgulhosa dos dois garotos com seus maiôs, azuis e vermelhos; seja na imagem das duas garotas muito brancas com seus vestidos rosa e azul, o conjunto destacava o lugar de protagonismo dessas crianças, cada qual com sua realidade e verdade. Vistas lado a lado, as obras questionavam hierarquias ou a proeminência da telas europeias, consagradas internacionalmente, diante das imagens produzidas no Brasil e na contemporaneidade. Explorar tensões, desestabilizar classificações estabelecidas no mundo das artes faz com que a prática da curadoria ganhe novos sentidos e construa, à sua maneira, uma rebelião do olhar. Dizem que a primeira exposição a gente nunca esquece. Não esqueci.
— Lilia Schwarcz, curadora adjunta de histórias, MASP, 2020
Por Eugênia Gorini Esmeraldo
O fundador do Masp, Assis Chateaubriand, grande admirador de Renoir, ao atribuir ao “povo de São Paulo” a doação de Rosa e Azul – As Meninas Cahen d’Anvers, como consta na documentação do museu, estava, intuitivamente, fazendo uma previsão. Na verdade, o tempo demonstrou ser essa obra emblemática para a coleção do Masp e, talvez, a mais popular e a mais apreciada pelos visitantes. Trata-se de um dos inúmeros retratos feitos por Renoir, remetendo-nos aos imponentes retratos de corpo inteiro pintados por Van Dyck no século XVII, em que o artista transmite com as cores e a delicadeza de tonalidades todo o frescor e a candura da infância. As meninas quase se materializam diante do observador, a de azul com seu ar vaidoso e a de rosa com um certo enfado, quase beirando as lágrimas.
Segundo Camesasca, o título mais popular dessa obra, que se refere às cores dos vestidos, data de 1900, quando foi exposta na galeria Berheim-Jeune, em Paris, e “tem relação com a verdadeira natureza da obra, com a variação das duas cores em tom pastel, dispostas desde os vestidos até a carnação, que sobressaem pela opulenta coloração das cortinas e do tapete”.
O artista retratou as duas filhas do banqueiro Louis Raphael Cahen d’Anvers, a loira Elisabeth, nascida em dezembro de 1874, e a mais nova, Alice, em fevereiro de 1876, quando tinham respectivamente seis e cinco anos de idade. Renoir realizou vários retratos para as famílias da comunidade judaica da época, e Louis Cahen d’Anvers, casado com a italiana Louise Morpurgo, de uma rica família de Trieste, era o mais abastado de todos. O artista foi contratado para fazer vários retratos desta família, que conheceu por meio do colecionador Charles Ephrussi, também financista e diretor da Gazette des Beaux-Arts, e a idéia era fazer retratos individuais de cada filha. Assim, ele chegou a retratar a filha mais velha do casal, Irene, hoje na coleção E. G. Buhrle, de Zurique. Posteriormente, a família decidiu que as outras duas irmãs apareceriam juntas. Teria havido várias sessões de pose das meninas, como relata Camesasca, até o final de fevereiro de 1881, após o que Renoir seguiu para Algiers. Ainda segundo o mesmo autor, citando agora Jullian, “decênios depois, a menor das modelos, então Lady por ter casado com o general Townsend of Kut, relembraria que o tédio das sessões era compensado pelo prazer de vestir o elegante vestido de renda”. Em 4 de março, Renoir escreveria para Théodore Duret: “Parti imediatamente após terminar o retrato das meninas Cahen, tão cansado que nem lhe sei dizer se a pintura é boa ou ruim”. Os dois retratos feitos das filhas do casal Cahen participaram do Salon de 1881. Mesmo assim, o retrato das meninas aparentemente não foi do agrado da família que, além de ter demorado quase um ano para pagar ao artista a soma relativamente módica de 1.500 francos, relegou a obra à area da casa habitada pelos empregados. No início do século, seguindo uma informação dada pelo próprio Renoir, os marchands Bernheim-Jeune descobriram a obra, aparentemente esquecida, no sexto andar de uma casa da avenida Foch, em Paris.
Bailey, em sua vasta pesquisa sobre o artista, anota: “Em seu comentário do Salon de 1881, o crítico Henry Havard observou que Renoir ‘tornara-se mais sábio’ em seu retrato de Alice e de Elisabeth Cahen d’Anvers e, apesar de não ser sugerido que o artista alterou seu estilo para agradar seus clientes, ele claramente assumiu uma estrutura formal barroca, calculada para agradar ao gosto mais convencional deles. Perfiladas um pouco nervosamente diante de uma pesada cortina cor de vinho, aberta para revelar um interior opulento – talvez uma lareira com seus apetrechos e um relógio –, duas meninas, impecavelmente penteadas e vestidas, seguram a mão uma da outra para maior segurança. Usando vestidos de festa idênticos, com fitas, faixas e meias combinando, e os cabelos escovados em franjas perfeitas, Alice, cinco anos de idade, à esquerda, olha como se estivesse para se desmanchar em lágrimas, enquanto a irmã maior, Elisabeth, de seis anos, parece um pouco mais confortável enquanto posa. (...). Ele (Renoir) não faz concessões às suas reticentes ‘Infantas’, nem as sentimentaliza. Num aposento banhado pela ‘luz natural’, Renoir aborda de perto suas diminutas modelos, a mais velha em ligeiro contraposto, animando uma representação que, de outra maneira, poderia parecer estática. Seu manejo da pintura, sempre virtuosístico e seguro, cria uma variedade de superfícies, acompanhando os materiais retratados. Assim, o toque de Renoir é suave e lustroso ao pintar o cabelo, faixas e meias; é incrustado, como uma jóia, nos franzidos e dobras dos vestidos de cetim, cujas rendas brancas são construídas com uma certa quantia de amarelo de Nápoles e assume um aspecto de porcelana na construção das faces e das mãos das meninas, desenhadas com extraordinário cuidado, mas nem por isto menos animadas”.
Bailey também estabelece o local exato em que a obra foi realizada: o número 66 da avenue Montaigne, em Paris, onde os Cahen d’Anvers habitaram desde 1873, e não a casa da família na esquina de rue Bassano com rue Bizet, para onde eles se mudaram somente em 1883-1884. Alice viveu até os 89 anos e morreu em Nice em 1965. Elisabeth teve um destino trágico. Divorciada do primeiro marido, o diplomata e conde Jean de Forceville, casou-se com Alfred Marie Émile Denfert Rochereau, de quem também se divorciou. Durante a exposição de obras do Masp na Fondation Pierre Gianadda, em Martigny, Suíça, em 1987, seu sobrinho Jean de Monbrison escreveu ao museu relatando seu triste fim: ela se convertera ainda jovem ao catolicismo, sendo mesmo assim enviada para Auschwitz devido à sua origem judaica, e morreu a caminho do campo de concentração, em março de 1944, aos 69 anos.
— Eugênia Gorini Esmeraldo, 1998