Em 1979, Miguel Rio Branco fez uma série de fotos no bairro do Maciel, no Pelourinho, Salvador, que frequentou por um longo tempo. Ali, durante o período da escravidão, ocorria a punição de homens e mulheres escravizados. A região ficou abandonada por décadas pelo poder público, conhecida como zona de prostituição e criminalidade, local de moradia de populações marginalizadas, além de marcada por um histórico de opressão e resistência. Na segunda metade do século 20, esse ambiente complexo e contraditório, tanto familiar quanto violento, era permeado por uma intensa sexualidade, capturada por Rio Branco de muitas maneiras: na cena de uma mordida roubada numa banca de cigarros, na gestualidade dos corpos ou numa cama vazia com lençóis emaranhados, que registra o peso e movimento dos corpos que por ali passaram. Outras imagens, porém, mostram o lado mais duro e perverso da realidade do Maciel, com os interiores precários e sufocantes dos prostíbulos: mulheres surgem numa cena de aparente repouso ou descontração, mas sobretudo de intervalo de trabalho, ora envolvidas por uma luz intensa e avermelhada, ora por uma iluminação fria e contrastante de tons azulados. As paredes dos quartos estão cobertas por páginas de revistas, recortes de jornais, objetos pessoais e de devoção: um retrato da cantora Maria Bethânia, outro do ator Francisco Cuoco, uma representação de Jesus Cristo, e imagens de revistas eróticas, o que cria uma potente mescla entre o sagrado e o profano, o pessoal e o profissional, permeada pela estética popular da cultura de massas. Em 2017 o MASP realizou a mostra Miguel Rio Branco: Nada levarei qundo morrer, cujo subtítulo toma emprestado uma sentença que o artista encontrou numa parede no bairro na ocasião: "Nada levarei qundo morrer aqueles que mim deve cobrarei no inferno".
— Tomás Toledo, curador chefe, MASP, 2021