Trabalhando principalmente com uma paleta de azuis e cinzas, Giulia Andreani reconfigura histórias e memórias, pessoais ou coletivas, a partir da apropriação de imagens encontradas em diferentes arquivos. Os tons escolhidos pela artista remetem às cores de tinta das canetas usadas para assinar documentos, conferindo uma característica impessoal às suas pinturas. A obra Valentine invoquant les enfers é parte de um conjunto de pinturas em que Andreani faz referência à vida e à obra da pintora franco-argelina Valentine Prax (1897-1981). A tela do MASP foi inspirada em uma fotografia de Prax em seu estúdio, na qual a artista posa com seus instrumentos de trabalho diante de um cavalete. Na releitura, feita por Andreani, dessa imagem histórica, há uma pintura apoiada sob o cavalete, como se a artista estivesse prestes a retomar o trabalho nela. Trata-se de uma citação da obra Junon sollicite l’aide des Enfers [Juno pede ajuda ao submundo] (circa 1620), do pintor holandês Jan Tengnagel (1584-1635), que por sua vez representa a ira de Juno contra Júpiter. Segundo a mitologia romana, Juno evocou o submundo para se vingar da infidelidade de seu marido. Em Valentine invoquant les enfers, Andreani aproxima as histórias de Juno e Prax, ambas figuras femininas que tiveram de conjurar forças distintas para materializar seus desejos, mesmo em meio às adversidades.
— Isabella Rjeille, curadora, MASP, e Talita Trizoli, doutora em Educação, USP, 2019