Definidos pela própria artista como “esculturas criadas no espaço”, os trabalhos de Leonor Antunes estabelecem relações entre a escultura, a arquitetura, o design, a luz e o corpo. Ela dedica atenção especial aos materiais que emprega, frequentemente naturais ou orgânicos, bem como à ação do tempo e do uso sobre eles, sublinhando traços e tramas, técnicas e texturas. Uma das características mais marcantes de sua prática é o interesse por produções de algumas artistas, arquitetas e designers do século 20, as quais ela investiga e nas quais se inspira. Antunes assim constrói um verdadeiro arquivo de referências, composto, sobretudo, por mulheres modernistas pioneiras que, muitas vezes, foram deixadas de lado nas grandes narrativas da história da arte e que surgem como personagens em seus trabalhos. Nesse arquivo, Lina Bo Bardi (1914-1992), a arquiteta do edifício do MASP, ocupa uma posição central, sendo referência na criação de vazios, intervalos e juntas, obra composta por dois pórticos de ipê. Os pedaços de madeira brasileira se encaixam sem utilização de pregos ou parafusos e neles estão posicionadas duas malhas. Em uma, os nós são inspirados nas tradições indígenas de fatura das redes de pesca; na outra, Antunes alude a Anni Albers (1899-1994), artista formada na oficina de tecelagem da Bauhaus e importante figura para a reconsideração do têxtil na história da arte. Assim, se presentificam diferentes personagens em um só espaço, valorizando também a interação entre arte e arquitetura, entre saberes de outros tempos, técnicas e linguagens, sejam industriais ou artesanais, autorais ou anônimos.
Amanda Carneiro, curadora assistente, MASP, 2020
Por Olivia Ardui
Ao enquadrar tanto as telas de Perugino e Zurbarán como o espaço deixado entre elas, Vazios, intervalos e juntas de Leonor Antunes na pinacoteca do MASP me fez considerar uma possível relação entre essas obras. Por um lado, um santo Antônio boquiaberto, ajoelhado e de mãos unidas em veneração diante da visão do menino Jesus, que ilumina o quadro que, de resto, é imerso quase em sua totalidade em uma escuridão profunda. Por outro, um São Sebastião esbelto atado à uma coluna em uma arquitetura clássica e uniformemente iluminada, submetido ao suplício das flechas, mas que apresenta um semblante sereno e impassível, quase indiferente. Ambos os protagonistas habitam um espaço abstrato e olham para o "céu", como em diálogo visual com o sagrado. Se olhar para cima não é uma atitude corriqueira, ela é recorrente nas representações de visões, anunciações, mártires, milagres e outras cenas que povoam a arte cristã ocidental. É como se esses santos figurados funcionassem como um portal e que, ao olhar para eles, nosso olhar se direcionasse para esse plano superior, através deles mas também, de certa forma, através dos artistas que confeccionaram essas imagens. Ao interpor a presença sutil de duas malhas metálicas nas suas esculturas, Antunes trouxe minha atenção para essas tramas — uma baseada em redes de pesca indígenas e a outra no trabalho têxtil de Anni Albers — e com isso, a visão da postura introspectiva de concentração e o olhar direcionado para mãos realizando esses trabalhos. Naquele contexto, a escultura de Antunes me apareceu como um pórtico-limiar entre visível e invisível, entre o sagrado e o profano, entre o imaginário, o extrafísico e a concretude do fazer.
— Olivia Ardui, curadora assistente, MASP, 2020