Esta é a primeira de duas exposições dedicadas ao comodato MASP Landmann, que chegou ao museu em 2016, onde permanecerá por um período de dez anos. São 906 peças incluindo têxteis, objeto desta mostra, além de cerâmicas e metais. Ao longo de mais de cinquenta anos, Oscar e Edith Landmann reuniram uma das mais representativas coleções de arte pré-colombiana do Brasil, abrangendo objetos de diferentes tipologias, produzidos nos Andes entre 1000 a.C. e o século 16.
Confeccionados por meio de expressiva variedade de técnicas de tecelagem empregando fios de lã e algodão, em tons naturais ou tingidos, os tecidos aqui expostos foram, em sua maioria, recuperados de sepultamentos encontrados em sítios arqueológicos localizados nas regiões mais áridas da costa pacífica dos Andes. São atribuídos às culturas Chavin, Siguas, Paracas, Nasca, Moche, Huari, Lambayeque, Chimu, Chancay, Inca e Ica, que ocuparam os atuais territórios do Peru e da Bolívia entre aproximadamente 800 a.C. e 1532 d.C. Em conjunto, são evidências da diversidade cultural e tecnológica vivenciada pelos povos indígenas do continente sul-americano antes da invasão europeia.
Pesquisas científicas sobre esses tecidos, em consonância com os relatos das comunidades indígenas que hoje habitam as serras andinas, revelam que a produção têxtil foi sempre uma prática compartilhada pelas mulheres, fruto de tradições repletas de conhecimento e códigos transmitidos por quase três mil anos. Os dados arqueológicos sustentam, ainda, que as tecelãs andinas alcançaram um status social elevado nas hierarquias de poder político e religioso, sobretudo nos últimos séculos que antecederam a chegada dos espanhóis. Magníficos tecidos, teares e os instrumentos de trabalho dessas mulheres são recorrentemente encontrados em templos e outros espaços de prestígio, muitas vezes integrando as elaboradas tumbas de membros das elites governantes. Nesse sentido, esta mostra é contextualizada no museu num ano inteiro dedicado às Histórias das mulheres e Histórias feministas, eixo da programação de 2019 do MASP.
Evidências da grandeza alcançada pela produção têxtil dos Andes pré-colombianos estão hoje espalhadas em dezenas de museus ao redor do mundo. No Brasil, apenas duas instituições, além do MASP, incorporaram coleções de peças arqueológicas da América Indígena em seus acervos: o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo e o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em um cenário nacional agravado pelo fatídico incêndio que destruiu integralmente a coleção pré-colombiana do Museu Nacional da UFRJ, os tecidos do comodato MASP Landmann vem a público na esteira das ações de fortalecimento da ciência e da memória, tantas vezes silenciada, dos povos originários da América do Sul. Difundir o conhecimento materializado nesses objetos é uma forma de apoiar as populações indígenas que seguem lutando pelo direito de manter viva sua forma de convívio com o ambiente e a sociedade moderna.
CURADORIA Marcia Arcuri, curadora-adjunta de arte pré-colombiana, MASP