Dalton Paula (Brasília, 1982) trabalha com pintura, desenho, vídeo, performance e objetos em torno das histórias e vivências afro-brasileiras. Esta exposição concentra-se numa parcela significativa de sua produção: os retratos.
O retrato tem uma longa tradição na pintura ocidental. Como gênero, ficou vinculado às elites, tornando invisíveis protagonistas das populações que não faziam parte do círculo dominante. Assim, os retratos tradicionais são majoritariamente brancos e masculinos. Num país de tradição escravocrata e colonizado por europeus como o Brasil, pouquíssimas pessoas negras e indígenas foram retratadas em pintura, e menos ainda identificadas com seus nomes nos retratos. Daí a importância, para a história da arte e para a história brasileira, dos retratos de Paula.
Retratos brasileiros reúne 30 pinturas do artista. O ponto de partida são dois retratos comissionados pelo Museu para a mostra Histórias afro-atlânticas em 2018: Zeferina e João de Deus Nascimento, do acervo MASP. Paula pesquisa personagens negras nas histórias brasileiras que não têm representação visual, com o intuito de dar rosto a elas. Nesse processo, as imagens são construídas pela ficção, pela fabulação. Se, num primeiro momento, para dar rosto aos personagens, Paula buscava imagens históricas, num segundo momento, ele nos conta que se inspira nos rostos de “pessoas quilombolas, mais velhas, benzedeiros, raizeiras, lideranças, jovens, mestres griôs, como se estivesse tentando alcançar uma raiz mais profunda”.
O modelo para os retratos vem das populares fotografias colorizadas, que ganhavam lugar especial nas casas dos clientes, que apareciam vestindo suas melhores roupas, com cabelos penteados e adereços de família. Paula explora diferentes tonalidades de azuis ao fundo, e algumas peculiaridades das pinturas merecem destaque. “O nariz bege nos retratos está relacionado à questão do estereótipo do corpo negro, o nariz mais largo [...], assumindo a característica marcante desse corpo”, conta o artista. Por outro lado, partes deixadas em branco nas pinturas, bem como as duas telas que conformam cada retrato, estão relacionadas à pesquisa do artista sobre a biografia dos personagens, que frequentemente não apresentam narrativas coesas, mas histórias fragmentadas, cheias de lacunas, vazios. “Como isso pode ser completado pelo espectador?”, Paula nos pergunta.
Os retratos brasileiros de Paula dão relevo a histórias de vida de protagonistas negras e negros, por tanto tempo apagadas da memória oficial e, dessa forma, ilumina experiências sociais, culturais, profissionais, políticas e religiosas. O resultado é um diálogo sensível entre obra de arte e biografia, que sublinha as dimensões estética e política das pinturas.
As biografias que acompanham os retratos foram escritas por Flávio dos Santos Gomes e Lilia Moritz Schwarcz e publicadas originalmente numa versão mais extensa em Enciclopédia negra (São Paulo, Companhia das Letras, 2021).
A mostra de Dalton Paula integra o biênio de programação do MASP dedicado às Histórias brasileiras, em 2021-22, coincidindo com o bicentenário da Independência do Brasil em 2022, e que, neste ano, inclui exposições de Abdias Nascimento (1914-2011), Alfredo Volpi (1896-1988), Luiz Zerbini, Dalton Paula, Joseca Yanomami, Madalena dos Santos Reinbolt (1919-1977), Judith Lauand e Cinthia Marcelle, além de uma grande mostra coletiva, Histórias brasileiras.
Dalton Paula: retratos brasileiros é curada por Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP; Glaucea Helena de Britto, curadora assistente, MASP; e Lilia Moritz Schwarcz, curadora convidada.