O curso propõe um caminho entre as múltiplas possibilidades de elaboração de artes e pensamentos queer/cuier. Queer é um termo em inglês utilizado para reunir identidades, políticas e poéticas dissidentes em relação ao sistema sexo-gênero normativo ocidental. Já cuier, cuir ou kuir são derivações latino-americanas do termo, utilizadas em abordagens críticas e contra-coloniais que levam em consideração questões territoriais, raciais e de classe. O percurso aborda as origens das teorias queer nos EUA como um questionamento a políticas identitárias assimilacionistas, bem como sua chegada na América Latina em um contexto de tensionamento político completamente diferente. No entanto, o caminho proposto não é cronológico e nem regional. Ele começa contrapondo Butler a Jota Mombaça em torno da construção das subjetividades e das dissidências. Segue alinhando Butler com Preciado para problematizar a construção do corpo sexuado. Aciona Glória Anzaldúa e Pedro Lemebel como guias na elaboração de críticas contra-coloniais às epistemologias queer. Por fim, convoca Hija de Perra e o livro mais recente de Preciado para um encontro em torno do potencial anticapitalista das práticas queer. Evitando uma distinção normativa entre arte e pensamento, os quatro duetos teóricos são abordados junto a trabalhos de artistas queer/cuier, com ênfase na produção latino-americana contemporânea.
------------
IMPORTANTE
As aulas serão ministradas online por meio de uma plataforma de ensino ao vivo. O link será compartilhado com os participantes após a inscrição. O curso é gravado e cada aula ficará disponível aos alunos durante cinco dias após a realização da mesma. Os certificados serão emitidos para aqueles que completarem 75% de presença.
------------
O MASP, por meio do apoio da VR, oferece bolsas de estudo para professores da rede pública em qualquer nível de ensino.
Aula 1 – 18.9.2024
Butler inicia Problemas de Gênero problematizando a Mulher enquanto sujeito do feminismo, pois este sujeito seria produzido e reprimido pelas mesmas estruturas de poder (afinal, não se nasce mulher) nas quais o feminismo busca emancipação. Ao longo dos anos, as teorias queer buscaram mapear o feixe difuso de poderes patriarcais que transformam corpos vivos em homens e mulheres cishétero. Afinal, é preciso mapear a norma para buscar suas frestas: qual abertura opera no surgimento de nossas existências dissidentes?
Aula 2 – 25.9.2024
Algumas vertentes das teorias queer foram criticadas por sua ênfase na construção discursiva do sujeito, que parecia perigosamente próxima de um idealismo linguístico capaz de anular a materialidade do corpo. Butler responde a essas críticas argumentando que o corpo sexuado já é uma construção discursiva, pois a heteronorma modela o contorno corporal. Preciado aprofunda o argumento com uma análise das técnicas e discursos médicos utilizados na atribuição do gênero que revela os modelos de construção do corpo sexuado a partir do "recorte" estético-epistêmico de certos órgãos.
Aula 3 – 2.10.2024
As teorias queer aterrissaram na América Latina no final dos anos 90 e, desde então, passam por complexas avaliações em relação à sua produtividade acadêmica e social. O próprio termo tem sido um território de disputa, entre as leituras contra-coloniais que apontam a colonização epistêmica do rótulo em inglês e as leituras pragmáticas que apostam na tática do termo amplo, capaz de aglomerar diversas dissidências sexuais e de gênero anti-assimilacionistas. O melhor caminho é aceitar a importação, arriscar uma tradução, sublinhar orgulhosamente o nosso sotaque ou assumir a errância clandestina dos nossos desejos? Talvez, no sul do mundo, o queer/cuier/kuir possa se equilibrar entre a tática da nomeação e a poética do apelido.
Aula 4 – 9.10.2024
Há mais de uma década, Hija de Perra perguntou se o queer seguiria seu legado de resistência ou se transformaria em uma moda, em um novo mercado neoliberal de desejos. No auge da crise capitalista, Preciado acaba de publicar um livro pontuando a brecha entre o regime petrossexoracial herdado da modernidade ocidental e um cenário ainda balbuciante que se forja através de atos de crítica e desobediência política. O efeito dessa defasagem é um transtorno coletivo: dysphoria mundi: no fim das contas, é o planeta que está em transição e nós somos os corpos através dos quais a mutação chega.
-----------------------------------------------------
Referência Bibliográfica
Aula 1: Judith Butler. Problemas de gênero — feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019. p. 17 a 28.
Jota Mombaça. “Não se nasce monstra, tampouco uma se torna”. Em: cidade queer, uma leitora. São Paulo: Edições Aurora, 2017. p. 16 a 21.
Aula 2: Judith Butler. Corpos que importam — os limites discursivos do “sexo". São Paulo: n-1 e crocodilo edições, 2023. p. 55 a 61.
Paul Preciado. Manifesto contrassexual. São Paulo: n-1 edições, 2014. p. 123 a 144.
Aula 3: Gloria Anzaldúa. A vulva é uma ferida aberta & outros ensaios. Rio de janeiro: A bolha, 202. p. 125 a 149.
Pedro Lemebel. Poco hombre — escritos de uma bixa terceiro-mundista. Rio de Janeiro: Zahar, 2023. p. 43-48, 262-267, 289-291.
Aula 4: Paul Preciado. Dysphoria mundi — o som do mundo desmoronando. Rio de Janeiro: Zahar, 2023. p. 39 a 64
Hija de Perra. “Interpretações imundas de como a teoria queer coloniza nosso contexto sudaca, pobre de aspirações e terceiro-mundista, perturbando com novas construções de gênero aos humanos encantados com a heteronorma”.
Revista Periódicus, v.1 (2), p. 291-298.
Debora Pazetto atua na área de Teorias das Artes (Estéticas, Críticas, Filosofias e Histórias das Artes) na graduação em Artes Visuais e na linha de Processos Artísticos Contemporâneos no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UDESC. Tem graduação em Filosofia (UFSC) e em Artes Visuais (UDESC), mestrado e doutorado (UFMG/ Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne) em Filosofia da Arte. Coordenou o Núcleo de Diversidades, Direitos Humanos e Ações Afirmativas do Ceart/UDESC (NUDHA).
Sua atuação híbrida resulta de pesquisas em práticas contra-coloniais, teorias queer/cuier, pensamento sapatão e arte brasileira contemporânea, que se encontram na dissidência em relação aos binarismos coloniais, incluindo teoria versus prática. Seus trabalhos mais recentes se materializam nos campos da escrita instalada e da palestra-performance e conspirações com as potências políticas dos corpos.