A visibilidade conquistada, nos últimos tempos, pela comunidade LGBTQIA+ brasileira levou muita gente a pensar que esse seria um fenômeno estritamente contemporâneo e que apenas do começo do século XX para cá teriam surgido figuras questionando as rígidas noções de sexualidade e gênero propagadas pelo Cristianismo. Essa percepção, no entanto, desconsidera o fato de que o Brasil Colônia foi um período muito menos comportado do que imaginamos, algo que revelam os documentos produzidos pela Santa Inquisição, as legislações em vigor nos nossos séculos iniciais, os relatos dos primeiros viajantes e mesmo a literatura do período. A sodomia (palavra guarda-chuva que designava um sem-número de práticas dissidentes de gênero e sexualidade) era o pior crime que, à época, se poderia cometer, só comparável ao de Lesa-Majestade, e a punição prevista seria a de morte na fogueira, "para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memória". O objetivo, portanto, seria o completo apagamento de tais existências. Pensando nisso, a proposta do curso será mergulhar nessa documentação tão surpreendente quanto desconhecida e reinventar a compreensão que temos da nossa própria história, com especial atenção a antepassades do atual movimento LGBTQIA+.
IMPORTANTE
As aulas serão ministradas online por meio de uma plataforma de ensino ao vivo. O link será compartilhado com os participantes após a inscrição. O curso é gravado e cada aula ficará disponível aos alunos durante cinco dias após a realização da mesma. Os certificados serão emitidos para aqueles que completarem 75% de presença.
Aula 1 – 11.9.2023
Conceituando a sodomia
A palavra "sodomia" nos remete diretamente à Bíblia, mais especificamente ao episódio de Sodoma e Gomorra (Gênesis, 18-19) e à interpretação que se foi construindo dos fatos ali narrados. Não foi imediato o surgimento da percepção de que os pecados que levaram à destruição das duas cidades tinha relação com práticas sexuais dissidentes, pois nada se lê de concreto a esse respeito na passagem. Além disso, houve todo um percurso até instituir-se essa como uma das mais graves faltas que se podia cometer, o que justificaria punição com a morte.
Aula 2 – 13.9.2023
Legislações relativas à dissidência
Nesse encontro, repassaremos a maneira como a legislação portuguesa referente às sexualidades e gêneros dissidentes foi se transformando desde o fim da Idade Média até os séculos iniciais da colonização do Brasil. Punições cada vez mais severas para sodomitas (envolvendo até familiares), mulheres se tornando alvo da legislação, práticas de travestimento, tudo isso será abordado aqui.
Aula 3 – 18.9.2023
A Santa Inquisição entra em cena
Uma das fontes mais intrigantes para vislumbrarmos a presença da dissidência sexual e de gênero no cotidiano do Brasil Colônia são as Visitações da Santa Inquisição e os processos instaurados no Tribunal do Santo Ofício. A sodomia era um dos pecados mais visados pela Inquisição no Brasil e tais documentos, sobretudo suas confissões e denunciações, nos mostram um Brasil muito menos comportado do que imaginamos.
Aula 4 – 20.9.2023
Sexualidade e gênero entre os povos originários
São muitos os relatos de estranhamento frente à maneira como povos indígenas lidavam com o que, para os europeus, seriam práticas dissidentes de sexualidade e gênero. Nesse sentido, é interessante analisar esse material e ver o quanto o colonialismo foi responsável por impor novas noções de proibido e permitido nesse terreno.
Aula 5 – 25.9.2023
Sodomia e escravidão
A escravocracia terá um papel central nesse cenário, pois não serão poucos os relatos seja de abusos cometidos por senhores contra escravizados, seja de envolvimento afetivo entre estes. Outro ponto de atenção serão as novas noções de gênero trazidas ao Brasil por pessoas escravizadas, a exemplo de Xica Manicongo.
Aula 6 – 27.9.2023
A dissidência na literatura
A literatura não passará ao largo dessas questões e não serão poucos os textos que abordarão dissidências sexuais e de gênero. Serão privilegiadas aqui obras dos trovadores medievais (séculos 13 e 14) e do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (séculos 15 e 16), para pensarmos nos primeiros a enveredarem por essa temática em língua portuguesa, mas também do nosso Boca do Inferno, Gregório de Matos.
Amara Moira é travesti, feminista, doutora em teoria e crítica literária pela Unicamp (com tese sobre as indeterminações de sentido no Ulysses, de James Joyce) e autora do livro autobiográfico E se eu fosse puta (hoo editora, 2016), do capítulo Destino amargo, presente em Vidas Trans – A coragem de existir (Astral Cultural, 2017), e da obra Neca + 20 Poemetos Travessos (O Sexo da Palavra, 2021), onde reuniu seu monólogo experimental em bajubá, a língua das travestis, e sua produção poética sobre vivências LGBTQIA+. Além disso, ela é professora de literatura no cursinho pré-vestibular Descomplica, colunista da BuzzFeed e do UOL Esporte e autora de artigos de crítica literária feminista e sobre a presença LGBTQIA+, sobretudo T, na história brasileira.