O objetivo do curso é apresentar o percurso teórico de intelectuais negras brasileiras cujas produções são marcadas pela interação entre elaboração teórica e a prática artístico-cultural. A partir da proposição de Paul Gilroy, em O Atlântico Negro, reconhece-se na arte negra os atributos de um meio privilegiado para assumir e explorar uma potência de criação de formas de habitar o mundo e de sentidos estético e político.
Os temas da identidade e da diferença cultural serão explorados com o intuito de superar tanto o essencialismo, quanto o apelo multicultural que ocupa grande espaço no debate sobre intelectualidade e artes negras. Tais temas não podem ser reduzidos a categoria social e política fixas, manipuladas conforme os interesses retóricos; tão pouco, a utilização da cultura por intelectuais negras está limitada ao campo da crítica. Refletir sobre a cultura e a arte negra é um modo de conhecer e se aproximar da realização de uma plurirracionalidade, que se expressa em tendências teóricas diversas e mesmo opostas, que, ao fim ao cabo, traduzem a experiência intelectual de pensadoras oriundas da diáspora afro-atlântica. Para tanto, será apresentado reflexões de cinco intelectuais brasileiras que construíram abordagens teóricas na interação com a arte e cultura brasileira. Escola de samba, grupo de samba-reggae, guarda de congo e moçambique, slam de poesia, cinema e literatura são alguns dos temas que atravessam a produção das intelectuais negras que serão apresentadas no curso. Cada aula será dedicada a uma autora, explorando os momentos de sua obra dedicados a projetar a arte e cultura no centro de seus interesses especulativos.
IMPORTANTE
As aulas serão ministradas online por meio de uma plataforma de ensino ao vivo. O link será compartilhado com os participantes após a inscrição. O curso é gravado e ficará disponível aos alunos durante cinco dias. Os certificados serão emitidos para aqueles que completarem 75% de presença.
Aula 1 – 2.5.2022
Lélia Gonzalez, a cultura negra na formação social do Brasil
A tradição de estudos sobre a formação social do Brasil raramente inclui Lélia Gonzalez como um de seus expoentes, apesar da intelectual da amefricanidade ter contribuído de maneira substancial e com análises inovadoras para este campo. A cultura negra brasileira, em especial, as escolas de samba é elemento-chave para construção das proposições de Gonzalez sobre a presença dos negros na sociedade brasileira contemporânea, em articulação com as resistências e construções de uma identidade negra em oposição ao destino desta população forjado pela colonização. Serão apresentados textos e intervenções da autora que projetam a centralidade da cultura para sua elaboração da formação social no Brasil.
Aula 2 – 9.5.2022
Beatriz Nascimento, fuga e quilombismo como experiência estético-política
O que fazer com o arquivo colonial? Como contar a história a partir de vestígios e de memórias presentes em gestos? Beatriz Nascimento propõe um mergulho no corpo negro e suas expressões de vitalidade e de cultura para retraçar os caminhos de resistência. Nascimento desautoriza o enunciado colonial a dizer a respeito do que é ser negro, e com isso reinterpreta o arquivo e a memória. O quilombismo e a fuga são práticas estético-políticas da experiência negra que se prolonga no pós-abolição. Estas noções ganham uma identidade conceitual na obra da autora e serão exploradas como prática heurística de invenção de si e da reconstrução da história negra a partir das expressões culturais.
Aula 3 – 16.5.2022
Leda Maria Martins, transcriação do tempo e recusa da representação
A dissolução da fronteira entre arte e cultura se expressa nas proposições teóricas de Leda Maria Martins ao identificar na cultura banto brasileira uma expressão caraterística da filosofia e cultura africanas que correlacionam arte e vida. Para essas culturas o tema da estetização da vida é tão antigo quanto a experiência e a elaboração sobre o existir presente nas memórias grafadas no corpo e na oralitura. Tempo, corpo, performance, memória constituem as tramas de um sujeito implicado no mundo a partir da cultura que o envolve. A filosofia prática sustentada pelas guardas de congo e moçambiques é a referência desta intelectual, que propõe um caminho de entendimento sobre gramáticas que se orientam por um princípio de tempo não-linear, ou por um tempo espiralar como ela assinala.
Aula 4 – 23.5.2022
Denise Ferreira da Silva, lógicas da subjugação e resistência
Identificar a desmontar as armadilhas da diferença cultural é um dos temas proeminentes na multifacetada produção intelectual e artística de Denise Ferreira. São inúmeras as contribuições para pensar a arte hoje com e a partir de suas contribuições, que desloca a crítica e a arte negras para longe da diferença cultural, uma das narrativas que justificam as violências do capital-global. A diferença cultural ainda é a lógica vigente, hegemônica que enclausura a cultura negra ao circuito moderno da identidade e da subjugação racial. Esta aula terá como base um artigo de 2008 em que autora discorre sobre a construção da conexão entre a cultura do samba-reggae e a cultura africana como uma forma de subversão dos discursos antropológicos sobre a população negra baiana.
Aula 5 – 31.5.2022
abigail Campos Leal, guerrilha da deserção e produção de linguagem
Esta aula contará com a participação de abigail Campos Leal que se destaca como uma expoente da nova geração de intelectuais negras que transitam entre a arte e a filosofia. Revisitando sua trajetória artística, intelectual, otobiográfica, em diálogo cruzado com a produção de outras pessoas desertoras de gênero pretas y indígenas, essa aula tem como foco observar como o campo da Arte, mas também todo o tecido social, tem sido afetado y deslocado por essas produções historicamente soterradas, que agora, mais do que nunca, brotam de infinitos pontos do globo, não apenas denunciando esse mundo, mas anunciando novas possibilidades cósmicas.
Maria Fernanda Novo é filósofa, professora e artista. Pós-doutoranda em filosofia na USP e bolsista Fapesp, doutora e mestra em Filosofia pela UNICAMP. Em 2016, realizou estágio durante o doutorado na Universidade Paris X - França. Entre 2019 e 2020, lecionou nos campus da UNESP de Rio Claro - Instituto de Biologia e de São Paulo - Instituto de Artes. Foi professora visitante da Faculdade de Educação da UNICAMP, e da Especialização em Ciências Humanas e Pensamento Decolonial na PUC-SP. A partir da filosofia desenvolve pesquisa nas áreas de filosofia da raça, relações raciais, arte, política e educação. Como artista produziu em parceria com a coreógrafa Ana Pi o conjunto de obras Rádio Concha, comissionado pela Trienal de Artes do Sesc (2021). Integra o espetáculo de dança O Banquete (2019), apresentado em São Paulo, Paris e Genebra, a Coletiva GIRA e o GT Filosofia e Raça da ANPOF.
abigail Campos Leal, pedaço de fumaça gorda, transita entre Arte y Filosofia como forma de criar poéticas que contribuam materialmente para a destruição do Mundo colonial, assim como para imaginar y criar formas radicalmente outras de habitar a Terra. Faz doutorado em Filosofia pela PUC-SP. É professora do curso de especialização em Ciências Humanas e Pensamento Decolonial pela PUC-SP. É uma das organizadoras do Slam Marginália. Publicou Escuiresendo: ontografias poéticas pela editora O Sexo da Palavra, em 2020, y Ex/orbitâncias: os caminhos da deserção de gênero, em 2021, pela Glac Edições.