A produção de Valeska Soares é muitas vezes marcada pelo colecionismo de objetos (caixas de marchetaria, taças de cristal, livros) produzidos por outros artistas e artesãos e reorganizados em seus trabalhos. Na série
Dupla-face, iniciada em 2017, Soares adquire pinturas de retratos de mulheres desconhecidas na internet nos EUA, onde vive. A artista desenvolveu uma técnica de corte e dobra do suporte e da camada pictórica aquecendo o avesso
da tela, tornando-a maleável e curva — "é quase um penteado", comentou. Cada pintura tem um volume e uma idade específicos, por isso a intervenção da artista molda-as como uma matéria escultórica. Nesse
processo, as antigas telas são dispostas pelo avesso, de frente vê-se, através de uma incisão, os olhos da personagem retratada — de cabeça para baixo. Soares escolhe uma ou duas cores presentes no retrato — no caso
da obra do MASP, o branco — criando uma grande superfície monocromática ao redor desses olhares, que flutuam em alguma porção do quadro. A obra tensiona a relação entre o trabalho dos artistas (o de Soares e o dx
pintorx desconhecidx), a representação multicolorida e a abstração geométrica monocromática. Também resgata e desloca essas figuras, antes perdidas no mercado de pinturas de segunda-mão e que não trafegam no circuito
de arte contemporânea, para além da identidade daqueles sujeitos. Ao invés de aguardar pela contemplação, as mulheres uma vez retratadas parecem agora reagir impassivelmente. Ademais, por conta do vidro nos cavaletes
do MASP, apesar disso não configurar como objetivo original da artista, será possível ver no verso da obra de Soares o restante da pintura anterior, que geralmente está escondido. Trata-se de uma mulher negra, com
cabelo black power e camisa rosada ao centro da composição, envolta por uma grande área branca a qual Soares categoriza como "branco de titânio", traduzido no título e transposto para a frente de seu
trabalho.