A Manufatura dos Gobelins foi fundada no século 17 como um complexo de oficinas que reunia tapeceiros, pintores, ourives, gravadores. Associados à coroa francesa e sob a direção de Charles Le Brun (1619-1690), esses artesãos elaboravam o mobiliário e as tapeçarias destinados a decorar edifícios oficiais e palácios e tinham o objetivo de demostrar o prestígio da corte francesa no exterior. Em muitos casos, os cartões, desenhos que serviam de base para realizar as tapeçarias, ficavam a cargo de artistas renomados para ser executados pelos artesãos. Foi o caso da série de tapeçarias Antigas Índias, que foram realizadas a partir de desenhos e pinturas de Albert Eckhout (1610-1665) e Frans Post (1612-1680), que acompanharam Maurício de Nassau (1604-1679) em seu mandato de governadorgeral do Brasil holandês (1636-1644). O objetivo era retratar a exuberante e exótica fauna e flora, assim como os habitantes de Pernambuco, o que explica a profusão de detalhes e o cuidado em incluir nas composições o máximo de espécies de animais, plantas e frutas, sugerindo uma abundância e fartura da então colônia. Em 1676, voltando à Europa, Nassau doou esses estudos entre outros a Luís XIV (1638-1715) para que fossem realizadas tapeçarias a partir deles. A série Antigas Índias é divida em Grandes Índias e Pequenas Índias, essa última composta por oito tapeçarias, cinco delas presentes no acervo do MASP.
— Equipe curatorial MASP, 2017
Por Renato Menezes
As imagens que ilustram o processo de colonização europeia nas Américas falam mais dos interesses de quem as produziu do que dos modos de vida dos personagens representados. Isso porque elas não só dão forma aos projetos de poder que organizaram as invasões e ocupações de territórios americanos, como também revelam um esforço de adequação do "Novo Mundo" aos modelos fornecidos pela tradição clássica, palatável ao gosto aristocrático pelo exótico e pelo decorativo. Tal é o caso de uma série de tapeçarias conhecida como Pequenas Índias, produzidas pela Manufatura de Gobelins, das quais três integram o acervo MASP. As peças apresentam cenas fictícias em que indígenas povoam paisagens tão exuberantes quanto fantásticas, circundados por uma profusão de animais e plantas nem sempre nativos. Em uma delas, vemos um homem de torso nu, sentado, segurando uma lança na beira de um rio. Sua posição deriva do modelo de um dos célebres nus de Michelangelo (1474-1564), transformado por Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) na alegoria do Rio da Prata. Ela ecoa ainda na monumental Fonte de Netuno, realizada por Antonio Raggi (1624-1686). Essa forma de apropriação, que associa a figura do indígena ao imaginário aquático, atesta o caráter construído das imagens da colonização e reflete o compromisso do mercado de arte decorativa em produzir obras com temas de rápida assimilação.
— Renato Menezes, 2021