Entre os anos 1990 e início dos anos 2000, a artista gaúcha Karin Lambrecht utilizou terra na
construção de várias de suas obras. Este recurso é um desdobramento de seu interesse por
uma paleta de tons ocres, avermelhados e marrons. A pintura ‘Sem título’, recentemente doada
ao MASP, é feita com terra vinda das cidades de Santo Ângelo e Santa Rosa, na região das
missões, que foi colonizada por jesuítas que catequizaram as populações indígenas, no interior
do Rio Grande do Sul. O uso da terra na pintura traz múltiplas associações entre origem,
pertencimento, território, história, política e espiritualidade. Um simbolismo presente é o da cruz,
motivo frequentemente utilizado em seus trabalhos. A cruz evoca a ideia de sacrifício, na
tradição judaico-cristã, de cura, remetendo a hospitais, mas também de humanidade, na medida
em que a organização dos eixos vertical e horizontal reflete a postura ereta do ser humano sobre
o mundo. Nesta obra, a cruz cria uma grade ortogonal que divide o quadro em quatro partes.
Desse modo, constituem-se duas telas semelhantes, mas diferentes: ambas são feitas por
camadas de terra aplicadas sobre linho marrom, o que confere uma sutil diferença tonal e de
textura entre os materiais. A tela da direita tem um corte na parte superior que revela o verso do
tecido e o chassi, e um fio de cobre a conecta à tela ao lado, criando uma dinâmica entre
separação e conexão a partir de um material condutor de energia.
— Leandro Muniz, assistente curatorial, MASP, 2021