Com esta exposição, o MASP volta a atenção para seu entorno, compreendendo a avenida Paulista não apenas como local onde o Museu está inserido, mas também como objeto de consideração e reflexão. Trata-se de uma atenção significativa no contexto dos 70 anos do Museu (inaugurado em 1947 num edifício da rua 7 de Abril no centro de São Paulo e transferido para este edifício em 1968): a mostra representa um olhar para este local icônico da cidade, que é ao mesmo tempo cartão-postal e palco de embates e disputas de muitas ordens.
Quais são os temas que atravessam a avenida Paulista, com seus mais de 120 anos e 2.800 metros de extensão? Os contrastes econômicos e sociais, o capital financeiro e o comércio informal, o capital simbólico e as instituições culturais, as manifestações políticas e as questões de sexualidade (com uma das maiores paradas LGBT do mundo). Símbolo de São Paulo, a avenida Paulista carrega também as contradições, fricções e tensões de uma cidade rica, complexa e desigual.
A exposição é dividida em dois grandes segmentos. O primeiro segmento, na parede da esquerda e do fundo da galeria do 1o andar, inclui representações da avenida Paulista, com fotografias, documentos, pinturas, registros de ações performáticas, objetos e cartazes históricos de 38 autores, de 1891 a 2016, organizados cronologicamente. O segundo segmento é composto por 14 novos projetos comissionados para a exposição, que ocupam a entrada, o meio e o lado direito da galeria do 1o andar (André Komatsu, Cinthia Marcelle, Graziela Kunsch, Ibã Huni Kuin com Bane e Mana Huni Kuin, Lais Myrrha, Marcelo Cidade, Mauro Restiffe e Rochelle Costi com Renato Firmino), a galeria do 1o subsolo (Daniel de Paula), a sala de vídeo no 2o subsolo (Luiz Roque), o Vão Livre (Marcius Galan), e por uma intervenção na pinacoteca do 2o andar (Dora Longo Bahia), além de projetos não realizados de Ana Dias Batista e Renata Lucas reproduzidos no catálogo da exposição.
Como parte de Avenida Paulista, ocorre uma programação semanal de 13 oficinas e 8 sessões de filmes. As oficinas—propostas por companhias de teatro, coletivos, arquitetos e artistas—utilizam a avenida como palco e espaço criativo, ativando suas histórias e seus espaços de memória. As sessões de filmes—organizadas por Dora Longo Bahia com o grupo de estudos Depois do Fim da Arte—acontecem no pequeno auditório do Museu no 1o subsolo e refletem sobre o lugar do artista na cidade.
É importante pensar esta exposição como um desdobramento da vocação arquitetônica e urbanística do próprio edifício de Lina Bo Bardi (1914-1992), tendo em vista suas características fundamentais—a transparência, a permeabilidade, a abundância no uso do vidro, as plantas livres e a suspensão do volume de concreto—que permitem que o olhar e a cidade atravessem o Museu. Nesse sentido, pensar o MASP é debruçar-se sobre as questões da cidade e, sobretudo, sobre o local onde está instalado desde 1968.
UMA EXPOSIÇÃOLista de artistas
3NÓS3, Agostinho Batista de Freitas, Ana Dias Batista, André Komatsu, Antônio Moraes, autores desconhecidos, Carlos Fadon, CIA de Foto, Cildo Meireles, Cinthia Marcelle, Cláudia Andujar, Cristiano Mascaro, Daniel de Paula, Dora Longo Bahia, Dulcinéia Aparecida Rocha, Edu Garcia, Eduardo Castanho, Enzo Ferrara, Ferreira Gullar, Graziela Kunsch, Guilherme Gaensly, Hans Gunter Flieg, Ibã Huni Kuin com Bane e Mana Huni Kuin, Ivan Grilo,Ivo Justino, Juan Pérez Agirregoikoa, Juca Martins, Jules Martin, Kleide Teixeira, Lais Myrrha, Lina Bo Bardi, Luis Carlos Santos, Luiz Hossaka, Luiz Paulo Baravelli, Luiz Roque, Marcelo Cidade, Márcia Alves, Marcius Galan, Maria Luiza Martinelli, Maurício Simonetti, Mauro Restiffe, Maximiliano Scola, Mick Carnicelli, Milton Cruz, Nair Benedicto, Nicolau Leite, Renata Lucas Roberto Winter, Rochelle Costi com Renato Firmino, Sérgio Bertoni, Sonia Guggisberg, Thomaz Farkas, Werner Haberkor e William Zadig
CURADORIA Adriano Pedrosa, diretor artístico, e Tomás Toledo, curador; com Camila Bechelany, Luiza Proença, Fernando Oliva, curadores, MASP, e Amilton Mattos, Universidade Federal do Acre
A volta dos radicais cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi à exposição do acervo apresenta uma seleção de obras provenientes de diversas coleções do museu, abrangendo um arco temporal que vai do século 4 a.C. a 2008. Os cavaletes tiveram sua estreia na abertura da atual sede do museu em 1968 e foram removidos em 1996.
O retorno dos cavaletes não é um gesto nostálgico ou fetichista em relação a uma expografia icônica, mas deve ser compreendido como uma revisão do programa museológico de Lina Bo Bardi com suas contribuições espaciais e conceituais. A dimensão política de suas propostas é sugerida pela galeria aberta, transparente, fluida e permeável, que oferece múltiplas possibilidades de acesso e leitura, elimina hierarquias, roteiros predeterminados e desafia narrativas canônicas da história da arte. O gesto de retirar as pinturas da parede e colocá-las nos cavaletes aponta para a dessacralização das obras, tornando-as mais familiares ao público. Ainda, por outro lado, as legendas informativas colocadas no verso das obras possibilita um primeiro encontro com elas livre de contextualizações da história da arte. Nesse sentido, a experiência do museu torna-se mais humanizada, plural e democrática.
Na configuração original da exposição com cavaletes Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi organizaram as obras por escolas e regiões. Agora, elas serão posicionadas rigorosamente em ordem cronológica, dispostas em uma rota sinuosa, como numa resistência elétrica. Essa organização não coincide com a cronologia da história da arte, com suas escolas e seus movimentos, nem obriga o público a seguir seu percurso. A transparência espacial da planta livre e dos cavaletes convida os visitantes a construir seus próprios caminhos, permitindo justaposições inesperadas e diálogos entre arte asiática, africana, brasileira e europeia. Acervo em transformação é uma exposição semipermanente da coleção, pois continuará aberta a frequentes mudanças, ajustes e modificações, já planejadas para o início de 2016. Assim, a exposição evita a ossificação e a sedimentação típicas de mostras de coleções permanentes em museus.
A exposição tem um foco na arte figurativa, o que reflete a história da coleção e os interesses de Lina e Pietro, que resistiram à hegemonia predominante da tradição abstrata no Brasil nas décadas de 1940 e 1950. Ambos preocupavam-se com os efeitos despolitizadores da abstração, durante a promoção da abstração geométrica realizada pelos Estados Unidos em sua “política de boa vizinhança” durante a Guerra Fria. A exposição inclui também obras de artistas frequentemente excluídos do cânone brasileiro da história da arte — como Agostinho Batista de Freitas, Djanira da Motta e Silva, José Antônio da Silva e Maria Auxiliadora da Silva —, evidenciando o compromisso do MASP com a diversidade e a multiplicidade. O último trabalho do século 21 na mostra, Tempo suspenso de um estado provisório (2008), de Marcelo Cidade, transforma o cavalete de cristal em um objeto de reflexão institucional. Sua presença também sinaliza o desejo do museu de retomar o diálogo com a arte contemporânea em nossa pinacoteca.
Cinthia Marcelle / Tiago Mata Machado, O século, 2011
Marcelo Cidade, Tempo suspenso de um estado provisório, 2011 - 2015