Van Gogh adquiriu interesse pela pintura trabalhando para o marchand Goupi, na Holanda e em Londres. Posteriormente, dedicou-se à carreira religiosa entre os mineiros pobres da Bélgica, até ser demitido por apoiar as lutas dos trabalhadores. Lá, começou a pintar e fez sua primeira obra notável, Os comedores de batatas (1885). No ano seguinte, em Paris, iniciou estudos da técnica impressionista e das estampas japonesas. Em seguida, mudou-se para Arles, no sul da França, onde iniciou uma série de trabalhos de luminosidade esplêndida e cores vibrantes. Nessa época, sofreu transtornos psíquicos e internações compulsórias, que culminaram em seu suicídio em 1890. Suas cartas são documentos fundamentais para a compreensão da obra, especialmente aquelas endereçadas ao irmão Theo van Gogh (1857-1891). A obra A arlesiana (1890) foi mencionada por Van Gogh em duas cartas de junho de 1890. A primeira relata ao amigo Paul Gauguin (1848-1903) que a obra foi feita com base em um desenho dele e que, por isso, Van Gogh a considerava uma obra conjunta. A segunda, escrita para sua irmã, descreve a pintura como a imagem ideal do caráter das mulheres de Arles. A modelo é Marie Julien Ginoux (1848-1911), dona do Café de la Gare, que alugou um quarto para o artista em 1888. Existem outras três versões da obra, em Roma, em Nova York e em Otterlo, Holanda.
— Equipe curatorial MASP, 2017
Por Guilherme Giufrida
Gosto de pensar a obra de arte como dádiva. O termo foi desenvolvido pelo antropólogo Marcel Mauss a partir de algumas populações da Polinésia e do noroeste da América do Norte, para quem as pessoas permanecem impregnadas nas coisas, daí a obrigação de retribuir os presentes recebidos. A pintura A arlesiana de Vincent Van Gogh (1853-1890) explicita esse conceito de diversas maneiras. Apesar da autoria individual, o artista a considerava tanto sua como de Paul Gauguin (1848-1893). Os dois moraram juntos em Arles, no sul da França, em outubro de 1888, quando conheceram Marie-Julien Ginoux (1848-1911), que aparece em trabalhos de ambos realizados naquele ano, assim como o Café de que era dona. Nesse curto e intenso período, os pintores cogitaram estabelecer ali um ateliê conjunto. Dois anos depois, Van Gogh retornaria a Arles, reencontrando-se com a amiga. Em seguida, pintou outras quatro versões do retrato, usando como base um desenho feito por Gauguin à época, e escolheu uma delas para enviar ao amigo. “Tome isso como uma obra sua e minha, como um resumo de nosso mês de trabalho juntos”, escreveu. A Arlesiana do MASP é justamente a que Van Gogh presenteou Gauguin. Nela, há sobre a mesa dois dos livros prediletos de Vincent – Contos de Natal de Charles Dickens e A cabana do Pai Tomás de Harriet Beecher Stowe –, possivelmente presentes levados à Ginoux. Mesmo depois da obra passar por coleções e galerias até ser vendida ao MASP em 1950, ainda é possível sentir as trocas, os gestos, os afetos, a importância e a força daquele tempo juntos na vida desses três personagens.
— Guilherme Giufrida, curador assistente, MASP, 2020
Por Equipe curatorial MASP
Vincent Van Gogh (1853-1890) dedicou-se inicialmente à carreira religiosa entre os mineiros belgas, até ser demitido por apoiar as lutas dos trabalhadores. Lá, começou a pintar e fez sua primeira grande obra, Os comedores de batatas (1885). No ano seguinte, em Paris, iniciou estudos da técnica impressionista e das gravuras japonesas. Em seguida, mudou-se para Arles, no sul da França, onde iniciou uma série de trabalhos de extraordinária luminosidade e cores vibrantes. Nessa época, sofreu transtornos psíquicos e internações, que culminaram em seu suicídio em 1890. Suas cartas são documentos fundamentais para a compreensão da obra, especialmente aquelas ao irmão Theo Van Gogh (1857-1891). A arlesiana é uma das quatro pinturas de Van Gogh no acervo do MASP (na foto ela aparece entre outras duas: O banco de pedra (1889) e O escolar (1888) e foi mencionada pelo artista em duas cartas en junho de 1890. A primeira relata ao amigo Paul Gauguin (1840-1903) que a obra foi feita com base em um desenho dele e que, por isso, Van Gogh a considerava uma obra conjunta. A segunda, escrita para sua irmã, descreve a pintura como a imagem ideal do caráter das mulheres de Arles. A modelo é Marie Julien Ginoux (1848-1911), dona do Café de la Gare, que alugou um quarto para o artista em 1888. Existem outras três versões do retrato, no Kröller-Müller Museum, em Otterlo, na Galleria Nazionale d'Arte Moderna, Roma, e numa coleção particular, porém a do MASP é claramente a mais bem sucedida e complexa, com pinceladas rápidas e leves, que desenham uma figura com sutileza e precisão contra um intenso fundo rosa — não por acaso é umas das obras do acervo mais pedidas em empréstimo para mostras do artista em todo o mundo.
— Equipe curatorial MASP, 2020
Por Luciano Migliaccio
Walter e Metzger datam a obra A Arlesiana de fevereiro de 1890, enquanto outros autores preferem datá-la entre janeiro e fevereiro do mesmo ano. A modelo do quadro é Mme. Marie Julien Ginoux (1848-1911) dona, junto com o marido Joseph-Michel, do Café de la Gare em Arles, onde Van Gogh alugou um quarto de maio a setembro de 1888, antes de se mudar para a famosa casa amarela que o pintor notabilizou em outubro de 1888 (Amsterdã, Museu Van Gogh).
Em novembro daquele ano, Van Gogh escreveu ao irmão Theo: “Enfim tenho uma Arlesiana, uma figura esboçada numa hora, fundo amarelo-limão, rosto cinza, roupas pretas, pretas, pretas, com azul-da-prússia perfeitamente puro. Ela apóia-se numa mesa verde e senta-se numa cadeira de madeira cor de laranja”. A carta refere-se talvez à versão na qual aparecem sobre a mesa luvas verde-claras e um guarda-chuva (Paris, Musée d’Orsay) ou talvez à versão na qual alguns livros substituem as luvas (Nova York, Metropolitan Museum). Durante a visita de Gauguin a Arles, este também pintou um retrato de Mme. Ginoux, provavelmente enquanto ela posava para um dos dois quadros de Van Gogh citados acima. A obra de Gauguin faz parte do acervo do Museu Pushkin de Moscou. Em novembro, Mme. Ginoux posou novamente para os dois artistas, e Gauguin a representou em Mulher no Jardim do Hospital de Arles (Chicago, Art Institute), e Van Gogh por sua vez adaptou a composição desta tela para um quadro conhecido como Lembranças de um Jardim de Etten (São Petersburgo, Ermitage).
A obra de Gauguin, hoje no Museu Pushkin, foi precedido por um desenho a lápis e carvão (San Francisco, Fine Arts Museum), que ficou com Van Gogh, após a violenta ruptura entre os dois artistas, em 23 de dezembro de 1888. Enquanto se encontrava internado no hospício de Saint-Remy, entre janeiro e fevereiro de 1890, Van Gogh copiou o desenho do amigo em três quadros. O primeiro, com fundo vermelho, encontra-se em Roma (Galleria Nazionale d’Arte Moderna), o segundo, com fundo azul-roxo, está em Otterlo (Kröller-Müller Museum) e o terceiro é o do Masp. Uma quarta versão foi realizada em abril de 1890 e encontra-se em Nova York (Bakwin Collection). Van Gogh refere-se a esses quadros nas cartas a Theo, bem como numa carta dirigida a Gauguin, nunca terminada, nem enviada. Nessas cartas, emergem as razões afetivas e artísticas que o induziram a retomar a composição do antigo amigo. Na carta 638, ele pergunta a Theo: “O que foi que Gauguin disse a respeito do último retrato da Arlesienne, baseado num de seus desenhos? Você verá futuramente que o quadro não é uma das piores coisas que eu já fiz”. Na carta 643 ao próprio Gauguin, afirma: “Você nem imagina como eu me alegro quando ouço dizer que o retrato da Arlesienne, baseado rigorosamente num de seus desenhos, é de seu agrado. Procurei ser fiel, o mais possível, ao seu desenho, tomando no entanto a liberdade de dar uma interpretação pessoal por meio de cores, sempre dentro do caráter sóbrio e do estilo do desenho. Assim sendo, pode ser considerado uma síntese da Arlesienne e, sendo bastante raro encontrar sínteses de Arlésiennes, considere o quadro como um trabalho comum, seu e meu: um sumário dos nossos meses de trabalho em conjunto... O Doutor Gachet chegou a uma conclusão, após duas ou três hesitações, e disse o seguinte: ‘Como é difícil ser simples’”. Esta vontade de síntese e de fusão da forma com a cor, que caracteriza a leitura do trabalho de Gauguin por parte do mestre de Zoondert, aproxima também este retrato do Escolar (n. 112), sugerindo uma espécie de díptico, tendo em vista a identidade das medidas. Tal possibilidade reforça a hipótese de que este último poderia ser datado do início de 1890, na época em que o artista estava em Saint-Remy.
— Luciano Migliaccio, 1998