León Ferrari (1920-2013) formula uma crítica ácida a diferentes regimes de poder – desde a religião, o imperialismo econômico ou regimes ditatoriais. Sempre com certa irreverência e humor, o artista argentino se interessa pelos modos como sistemas estruturam e normatizam as populações, seus comportamentos e modos de pensar. É o caso da maior parte dos 80 trabalhos de Ferrai na coleção do MASP, em parte realizados durante a sua estadia de 15 anos no Brasil em exílio da Argentina no auge da repressão do período da ditadura. Um importante conjunto de trabalhos em fotocópia da série Xerox trata precisamente de como a regulamentação da vida cotidiana por aparatos estatais passa por coordenar e disciplinar os corpos. Os trabalhos se configuram como plantas baixas, habitadas por massas anônimas em filas, que andam na mesma direção ou se engajam em ações similares. A representação planimétrica e utilização de um símbolo padronizado para designar a figura humana lembra também alguns sistemas de notação de dança, como a de Feuillet-Beauchamp, que propõe uma síntese da postura do corpo combinada a uma vista planimétrica retomando a trajetória do corpo em um espaço abstrato que segue leis universais. Se Ferrari não aborda diretamente a dança, a reflexão que ele propõe sobre a organização dos corpos no espaço pode ser lida a partir do conceito de coreografia, e neste sentido esses trabalhos são de particular interesse no contexto de Histórias da dança.
— Olivia Ardui, curadora assistente, MASP, 2020