Por Kássia Borges Karajá
Querer estar num lugar e num momento que não é o seu é o fio que liga Moema ao seu tempo. Idealizada na cor da pele, no corpo curvilíneo sensual, em volta de uma natureza bela e organizada, a obra mostra uma visão romântica de alguém que nunca sentiu o que é o cheiro e o sofrimento de um colonizado. Quem já adentrou uma floresta ou aldeia (só para lembrar que nem todo indígena vive na floresta) e conviveu com os povos originários poderia entender que o amor que mata é uma invenção dos não-indígenas. Viver na floresta, na aldeia, ou fora do mundo branco, requer um outro tipo de poesia e de sobrevivência. Nesta cena não houve beleza nas imperfeições. Aqui se morre de susto, de bala ou de vício. A verdade não está nas penas cobrindo a púbis de Moema, nem nos cabelos negros (como se estivesse dormindo para enganar ou negar a violência sofrida), tampouco no inconsciente de Victor Meirelles com suas possíveis "boas intenções", mas no que não foi dito ou colorido a tinta à óleo. A verdade está nas hostilidades que vieram antes, durante e depois. O desrespeito e as mortes das mulheres nativas que ainda existem e persistem são imagens e memórias que estão cravadas nos nossos sonhos e pesadelos mais íntimos. Isso implica no jogo hipotético do que vemos face ao que nos olha e não conseguimos enxergar. Essa imagem, contudo, nos concede uma objetividade, a de construir e sonhar nossos próprios devaneios e vontades. Queremos despertar nossas dores verdadeiras para um público aberto a sonhar outras possibilidades.
— Kássia Borges Karajá, Curadora-Adjuntos de arte indígena, 2022