Georgina de Albuquerque foi uma artista pioneira na academia brasileira, entre o final do século 19 e meados do século 20. Ela é considerada uma das primeiras mulheres a pintar uma cena histórica, um tema até então realizado apenas por homens, e, frequentemente, representou mulheres que subvertem, com sutileza, os contextos burgueses e domésticos onde estão retratadas. A partir de 1927, Albuquerque foi professora na Escola Nacional de Belas Artes, da qual também foi diretora, entre 1952 e 1954, sendo a primeira mulher a dirigir a instituição. ‘Mulher pensando’ é uma obra significativa das contradições de uma mulher branca burguesa no Brasil na primeira metade do século 20. A personagem tem à sua frente uma escova de cabelos, uma penteadeira, um vaso de flores e um espelho; no entanto, ao invés de desempenhar funções consideradas naquele momento como ‘tipicamente femininas’, ela pensa. Sua cabeça está baixa, repousada sobre a mão direita, enquanto a esquerda está relaxada sobre o braço da cadeira, sugerindo um momento de introspecção. A paleta rebaixada e certo realismo na descrição da anatomia são marcantes da formação de Albuquerque na Academia de Belas Artes. As pinceladas soltas e o interesse por pintar espelhos — um objeto que produz imagens dentro da própria pintura — demonstram o contato da artista com correntes modernas, como o impressionismo que, a esta altura, já não era mais uma novidade na Europa, onde Albuquerque estudou em 1906. Assim, ‘Mulher pensando’ demonstra como os processos de modernização na sociedade brasileira foram graduais, híbridos e muitas vezes contraditórios
— Leandro Muniz, assistente curatorial MASP, 2023
Por Pollyana Quintella
Georgina de Albuquerque (1885-1962) foi uma das primeiras mulheres no Brasil a se profissionalizar no campo das artes. Ela integrou júris, recebeu prêmios nos Salões, além de ter sido a primeira mulher a dirigir a Escola Nacional de Belas Artes, já na década de 1950. Seu pioneirismo é oportuno para refletir sobre os papéis de gênero no meio artístico do início do século 20. Em Mulher pensando (sem data, possivelmente pós-1920), embora a personagem elegante sugira uma passividade própria das pinturas de gênero — espécie de tédio doméstico das famílias burguesas brancas —, o título reforça sua agência. A mulher está representada enquanto sujeito dotado de complexidade, para além do mero papel de modelo. Ademais, o sentimentalismo apontado pela postura corporal esmorecida e melancólica faz lembrar alguns autorretratos de outras artistas do final do século 19 no Brasil, como Abigail de Andrade (1864-1890) e Berthe Worms (1868-1937). Entre 1906 e 1911, De Albuquerque passou uma temporada em Paris com o marido e artista Lucílio (1887-1939), fruto de um prêmio de viagem concedido a ele. Lá, travou contato com tendências impressionistas que seriam incorporadas à sua pintura. Nesta obra, é possível notá-las através das pinceladas amplas e luminosas que conferem vibração cromática às superfícies. Num meio que ainda considerava as mulheres artistas amadoras e pintoras de passatempo, o trabalho de Georgina de Albuquerque revelou-se um exemplo fundamental, embora ainda careça de mais estudos.
— Pollyana Quintella, mestre em Arte e Cultura Contemporânea, UERJ, 2021