Arthur Timótheo da Costa, um dos poucos artistas negros brasileiros a se destacar em seu período, ao lado do irmão, João Timótheo da Costa (1878-1932), apresenta-nos um retrato melancólico. De origem humilde, Arthur
estudou na Escola Nacional de Belas Artes, onde foi aluno de Zeferino da Costa (1840-1915) e Daniel Bérard (1846-1910), e com um prêmio viveu em Paris por um ano. Não conhecemos a identidade de
O menino, pintado na palheta de tons terrosos que vemos na obra do artista, pouco menos de 20 anos após a abolição no Brasil. As pinceladas largas e as massas de cor misturadas definem e destacam a figura, borrando a rigidez
dos contornos, algo que indica a passagem entre o acadêmico e o moderno no início do século 20 no Brasil e que o artista tão bem exemplificou. A cena se aproxima do expressionismo e tem certa dramaticidade,
possivelmente fruto da experiência do artista como cenógrafo. A criança tem um olhar tristonho, um tanto sonolento, e observa cabisbaixo algo fora da tela.
Por Kleber Amancio
Um menino contrariado. Seus olhos procuram alguém que não avistamos. O afinco da mirada sugere intimidade. Aos poucos a feição chorosa se dissipa. Efeito do estranhamento. As pinceladas aparentes, que sugere suas
vestes; a visível linha preta, que modela a gola da camisa, e a ambiguidade com o áspero plano, de onde a personagem se destaca, contrasta com a minuciosa descrição de sua face: uma delicada luz frontal expõe a
clareza do olhar, os lábios semi-cerrados, a expressividade juvenil de sua testa, o cabelo de carapinha… Arthur Timotheo da Costa (1882-1922) tinha o hábito de retratar pessoas negras. Não há nada de banal nesse
projeto. Ter a imagem plasmada em uma tela se tornou signo de poder e distinção, atesta a passagem do mecenas pelo mundo. As exceções, via de regra, são os casos de figuras que se destacaram por um feito socialmente
reconhecido. Na arte nacional, não raramente, as pessoas negras, quando representadas, figuram como parte da paisagem, harmonicamente, com a fauna e a flora, ou corpos fetichizados (
tipos, corpos talhados para o trabalho, sexualizados, dóceis e frequentemente subordinados). O retrato celebra a humanidade do modelo. Ao pintar um menino, negro, descontextualizado da pobreza, do racismo, do sofrimento
inerente à pele que habita, ao registrar um laço de afetividade, ao descrever sua beleza, denota a produção de uma narrativa dissonante, posto que reafirma a humanidade negra. Para mim, ver essa tela, 102 anos
depois, num dos cavaletes de Lina Bo Bardi, representa a celebração da importância desse gesto.
Por Equipe curatorial MASP
Importante expoente da arte brasileira, Arthur Timótheo da Costa (1882-1922) construiu sua obra entre a tradição e a modernidade, tanto por sua linguagem pictórica quanto por sua presença em contextos culturais
dominados pela elite branca. Ele e o irmão, o também pintor João Timótheo da Costa (1879-1930), estavam entre os poucos artistas negros a ter algum espaço na época. De origem humilde, Arthur começou os estudos em
desenho e gravação na Casa da Moeda, no Rio. Depois, se matriculou na Escola Nacional de Belas Artes. Ganhou um prêmio de viagem na Exposição Geral de Belas Artes e passou um ano em Paris, onde transformou
radicalmente sua técnica: as pinceladas largas e as massas misturadas de cor passaram a definir e destacar as figuras, substituindo a rigidez dos contornos. A expressão bem definida, despreocupada e sonolenta do
modelo em
O menino contrasta com as pinceladas rápidas, claras e despojadas das roupas e do fundo. A paleta de cores é feita de beges e marrons-claros, o que permite que o rosto do garoto se destaque da tela, em uma representação forte
e, ao mesmo tempo, delicada. Pintar uma criança negra, naquele contexto, poderia ser entendido como um gesto de enfrentamento, em uma sociedade que se constituiu sobre a exploração e a negação do negro como sujeito.
O protagonismo do menino na obra valoriza a presença e a centralidade das populações de origem africana na história brasileira.