Desde os 18 anos, Vuillard frequentava ateliês de artistas. Foi amigo de Pierre Bonnard (1867-1947), com quem participou, em 1891, da primeira mostra dos nabis, grupo que refutava tanto a tradição acadêmica quanto as experiências impressionistas. Os nabis eram influenciados pelo grafismo das gravuras japonesas, de cores fortes. Vuillard preferia cenas intimistas, e suas pinturas adotam soluções decorativas e cromáticas que antecipariam o expressionismo dos fauves. O vestido estampado (1891) mostra um tema recorrente em suas primeiras obras: o ateliê de costura de sua mãe. Há três delimitações espaciais na sala: o fundo com a lareira, as paredes em linhas verticais e o espelho que reflete a mulher em primeiro plano. A cena é envolta pelos tons de verde, ocre e lilás acinzentado, mas o destaque está na estampa do vestido. Com isso, Vuillard criou uma atmosfera da qual não emergem identidades (os rostos estão todos apagados), mas aparências criadas pelas manchas e pelos motivos das roupas e do local.
— Equipe curatorial MASP
Por Laura Cosendey
Existe um encanto por pinturas que é somente da ordem do olhar. Desde que comecei a trabalhar no MASP, a pintura Vestido estampado (1891) do francês Édouard Vuillard (1868-1940) me seduziu. Tornou-se uma de minhas preferidas obras quando passei a subir na pinacoteca do segundo andar do museu com mais frequência. É a obra mais antiga do artista na coleção, que possui outras duas telas de sua autoria, e, se não conhecesse outras pinturas do artista, poderia parecer que ele a deixou incompleta, com áreas apenas demarcadas que seriam mias tarde preenchidas. As figuras em cena são apenas blocos de cor, manchas que se encaixam e preenchem a superfície do quadro. Os rostos são quase vultos, há um certo mistério na pintura que nos leva a tentar analisar cada elemento. O verde é a cor que guia toda a paleta da obra e se desdobra em diferentes variações. Aos poucos, os verdes se multiplicam, se diferenciam de forma surpreendente. Absorvidas em seus afazeres, as mulheres parecem estar sendo observadas. A mãe de Vuillard era costureira, a irmã e a avó do artista também trabalhavam com ela. Seu ateliê funcionava na própria casa, tecidos estampados com padronagens faziam parte do cotidiano e desempenharam um papel importante no imaginário de Vuillard. Especialmente nos seus primeiros anos como pintor, ele representou diversas cenas nesse contexto, com mulheres na mesma postura, inclinadas costurando. A pintura do MASP é certamente uma das mais bonitas dessa fase. A mulher com vestido estampado era sua irmã, Marie, e as outras duas são sua mãe e sua avó. Gosto de pensar que é o mesmo vestido que aparece numa outra pintura do artista, A família depois de comer (ou Jantar verde) (1891), talvez um dos mais belos vestidos de Marie.
— Laura Cosendey, assistente curatorial, MASP, 2020
Por Eugênia Gorini Esmeraldo
O Vestido Estampado retrata o ateliê de costura da mãe de Vuillard, montado na própria casa da família, onde ela trabalhava para fazer frente às despesas, após a morte do marido. Nessa época, em que o artista estava ligado aos Nabis, o tema do ambiente de trabalho das costureiras é recorrente. Observa-se na obra do Masp uma concisão de elementos e formas. As cores são chapadas e as tonalidades tendem para o verde e bege, as figuras estão definidas e há pouca concessão ao decorativo. Três dimensões bem distintas são obtidas com o plano de fundo onde se destacam a lareira, as paredes em linhas verticais paralelas e o espelho que amplia o espaço. A cena é dominada pela figura central, trajando o vestido estampado que dá nome à obra e que se reflete no espelho ao fundo. A modelo é certamente sua irmã Marie, que mais tarde casaria com seu amigo Ker-Xavier Roussel. Marie aparece usando o mesmo vestido na obra Le Dîner Vert, do mesmo ano, pertencente a uma coleção particular londrina. Ao seu lado está uma moça, aparentemente absorta em seu trabalho, curvada sobre uma peça de tecido e que, pela posição do cotovelo esquerdo, está em primeiro plano, à frente mesmo de Marie. No canto esquerdo, também envolvida em seus afazeres, está uma personagem mais idosa, que pela semelhança com a senhora retratada na obra La Grand Mère de l’Artiste, 1891-1892 (coleção Hirshhorn, Museum and Sculpture Garden, Washington) é, provavelmente, Madame Michaud, avó de Vuillard, que morava com a família. A profusão de tecidos domina toda a cena, enfatizando o ambiente de trabalho.
Para Easton, Vuillard mostra nessa obra um complexo espaço pictórico e uma rigorosa estrutura de composição, com efeitos tridimensionais que fazem cair por terra os argumentos de alguns estudiosos de que, nesse período, o artista só se interessava por composições paralelas ao plano pictórico. Ele cria uma série de superfícies que leva nosso olhar da figura com o vestido estampado ao seu reflexo no espelho e dali para as duas outras personagens mais à esquerda.
Segundo Camesasca, “em Vuillard, admira-se sobretudo a contemplação serena, harmoniosa, que une ao auge da observação uma fineza extrema de ritmo e de esfumatura. As suas meditações sobre uma cadeira qualquer, um vestido ou um papel de parede são na verdade pretextos para interrogações febris, para desencontros entre a inata facilidade manual e as exigências impostas pela forma e pela técnica que, sozinhas, ele vê como instrumentos da plenitude expressiva”. Camesasca evidencia também que as tonalidades verde-oliva, rosa, cinzas e violetas antecipam, de certo modo, Matisse e La Fresnaye, como já destacado por Roger-Marx. Após Argan, Camesasca compara a pintura de Vuillard às poesias de Mallarmé, nas quais o som do verso é valorizado pelas pausas e subtrações, enquanto em nosso artista os tons se qualificam pela intensidade luminosa entre as pausas produzidas por outros tons, mais baixos, sem recompor a luz natural, mas sugerindo uma atmosfera, em geral burguesa, em que sobressaem os corpos e suas vestimentas.
É interessante observar que o artista era bastante apegado à obra, tendo-a conservado em seu poder durante toda a vida. Nela estão representadas a irmã e a avó, havendo também uma referência sutil à sua mãe (e musa, segundo o próprio Vuillard). Trata-se da região escura à direita do quadro, que alguns consideram uma peça de tecido que Marie dobra, enquanto outros vêem como simples contraste de luz. Se tomarmos, porém, esta tonalidade como uma silhueta e nos reportarmos ao quadro de Vuillard Les Couturières, 1892, (col. J. F. Clark, Nova York), onde estão Marie e a mãe separadas por uma mesa e uma janela, fica evidente que a silhueta é de Madame Vuillard.
— Eugênia Gorini Esmeraldo, 1998