[Laura Cosendey escreveu texto]
Por Felipe Martinez
Um homem lê um manuscrito para outro que, como um mestre, avalia o que está sendo lido. O leitor é o poeta e escritor francês Paul Alexis (1847-1901), que submete seu trabalho à avaliação de Émile Zola (1840-1902),
um dos maiores autores franceses do século 19. O pintor, Paul Cézanne (1839-1906), é o personagem oculto dessa cena, pintada entre 1869 e 1870. Zola e Cézanne tinham uma relação bastante próxima, saíram juntos do sul
da França para tentar a vida na capital. Enquanto Zola conheceu o sucesso desde cedo, Cézanne só seria reconhecido ao final de sua vida. A amizade entre eles ficou abalada após a publicação do romance
A Obrade Zola, em 1886, cujo protagonista — um pintor fracassado — foi parcialmente inspirado em Cézanne. A pintura do MASP é uma das poucas obras em que vemos Zola representado pelos pincéis do amigo. Ela foi abandonada
pelo artista em razão da Guerra Franco-Prussiana e encontrada na casa do escritor em 1927. Nela, estamos longe das pinturas que inspirariam Picasso no começo do século seguinte. Suas cores fazem pensar mais em Manet,
que também pintou Zola. Outra obra, feita por Cézanne pouco antes, mostra a mesma cena. Nessa outra composição, evoca-se os mestres holandeses, o clima é menos solene do que na pintura do MASP, na qual a liderança de
Zola, conhecido por suas posturas públicas corajosas, fica evidente. Cézanne, ao contrário, tinha seu processo artístico permeado pela dúvida, como pontuou Merleau-Ponty. Curiosamente, na pintura do MASP, é o corpo
de Zola que aparece inacabado com pinceladas hesitantes.
Por Luciano Migliaccio
No quadro do Masp Paul Aléxis Lê um Manuscrito a Zola, vemos Zola recebendo no pavilhão de sua casa, na rue Condamine, um dos seus primeiros admiradores: Paul Alexis (1847-1901), jornalista e escritor de romances, defensor constante do impressionismo e do
neo-impressionismo, que consagrou ao chefe do naturalismo um importante estudo em 1882. A tela foi encontrada num depósito da casa de Zola, em Médan, após a morte da mulher do escritor, em 1927. Deve ter sido pintada
entre setembro de 1869, época em que Paul Alexis chegou a Paris, e agosto de 1870, data em que Paul Cézanne e Émile Zola deixaram Paris e seguiram para o sul da França. Numa coleção particular em Zurique há uma outra
tela representando uma figura que lê no interior da casa de Zola, datável, segundo Gowing, provavelmente entre 1867 e 1869 (1987/1988, p. 156). São conhecidos três desenhos preparatórios relativos a essa última obra.
O primeiro pertenceu à coleção de Sir Kenneth Clark, os outros dois não têm localização conhecida. Wayne Andersen ressalta nos desenhos a evolução da composição de Cézanne, a partir de modelos da pintura holandesa de
interiores, como os de De Hooch. O quadro do Masp apresenta uma situação e um estilo radicalmente diferentes: a composição tem um desenvolvimento horizontal em vez de vertical, as figuras estão colocadas no exterior,
sentadas no chão, numa pose que lembra as pinturas de Manet, assim como a construção de amplas áreas achatadas e a escolha das cores. A idéia da composição talvez seja do próprio Zola, pois ele sempre quis
representar o papel de fundador de uma escola e teve o hábito, desde sua juventude, de reunir seus amigos artistas e literatos, Cézanne, Valabrégue, Solari, Alexis, todos oriundos da mesma região de Aix. Cézanne
deixou este quadro por terminar, talvez por causa do início da guerra entre a França e a Prússia, que o obrigou a refugiar-se na Provença.
A pose de Zola lembra a de um déspota oriental (Howard) ou de um filósofo, a cabeça e o torso deixam transparecer o grão da tela e o desenho livre que formou a base da composição de Cézanne. Muitas das formas
visíveis nas partes acabadas eram destinadas a ser modificadas de acordo com as exigências do artista, que improvisava diretamente na tela a partir de uma idéia inicial.