Por Haynará Negreiros e Juliana Guide
Em 1818, em visita ao Brasil para ficar na casa do pai, Henry Chamberlain produziu a aquarela Quitandeiras na Lapa (1818), hoje do acervo do MASP. A obra integra uma série de registros feitos pelo militar inglês no Brasil, onde seu pai exercia a função de cônsul-geral da Inglaterra. Em 1821, de volta à Inglaterra, publicou o livro Vistas e costumes da cidade e arredores do Rio de Janeiro, com 36 gravuras e textos sobre a vida cotidiana nas ruas da então capital do país. A aquarela do MASP se relaciona diretamente a uma das gravuras desta edição. Tanto na aquarela quanto na versão litografada, as personagens se integram pouco ao fundo da cidade que, embora oriunda da observação do artista, parece uma espécie de cenário. As protagonistas são as quitandeiras, mulheres negras livres ou escravizadas a ganho nas ruas do Rio oitocentista. Nota-se que apenas uma delas possui os pés calçados, o que pode indicar a ideia de liberdade da figura retratada já que, à época, apenas pessoas livres — e em ocasiões especiais, escravizadas — podiam calçar sapatos. O vestir das mulheres também chama a atenção pela composição de blusas e saias mais simples, uma indumentária leve que facilitava o trabalho nas ruas. Os tecidos que envolvem as cabeças de três das cinco personagens femininas, chamados de turbantes, podem ser entendidos como uma direta herança africana que, além de adornar e proteger quem os vestia, serviam também para equilibrar os balaios e tabuleiros usados nas vendas. É bem característico que os registros de Chamberlain mostrem as relações sociais entre as personagens, propondo uma espécie de narrativa.
— Haynará Negreiros, curadora adjunta de moda, MASP, e Juliana Guide, mestre em História da Arte, Unicamp, 2021