A Natureza das Coisas
– por Teixeira Coelho, Curador Coordenador do MASP
Uma cadeira é uma coisa. E uma pedra, uma nuvem, uma folha. O mundo todo é uma coisa, escreveu Kant. Tudo que existe é uma coisa. Tudo menos, para alguma filosofia e em muita pintura, a figura humana, uma interrupção nesse largo contínuo que é o mundo das coisas.
Mas em pintura há um gênero em que coisas e homens se tornam uma unidade: a paisagem. A partir do século XVIII, a nascente ciência moderna era uma disciplina que dividia a natureza em suas partes para analisá-las. Ao lado, a pintura (e a pintura de paisagens) já era uma atividade de síntese propondo a unidade entre as emoções (a estética), os atos (a moral) e o conhecimento (a lógica) – a unificação de todas as coisas.
Tem sido assim desde a Renascença. Essas pinturas de paisagens contavam uma história importante que as pessoas conheciam. Uma história de conteúdos morais: o carvalho representava a coragem; os álamos, a dor; a salamandra, o mal (no século XXI não sabemos mais ler essas coisas: cultura e natureza se divorciaram). Nesta mostra, porém, não há só paisagens. Nem somente paisagens da natureza identificada com o campo. Há marinhas, naturezas-mortas e as paisagens culturais que são as paisagens urbanas. É a natureza dessas coisas que esta mostra busca revelar. Hoje, é fato, o mistério das coisas se esvaiu, acompanhando o desencantamento do mundo.
Se há uma imagem exata de como se sente o homem contemporâneo diante das coisas (e das "velhas" pinturas de paisagem) são estas palavras de Fernando Pessoa:
"O único sentido oculto das cousas / é elas não terem sentido oculto nenhum [...] as cousas não têm significação, têm existência. / As cousas são o único sentido oculto das cousas".
E o poeta continua para dizer que "Não basta abrir a janela / para ver os campos e o rio./Não é bastante não ser cego /para ver as árvores e as flores. / É preciso também não ter filosofia nenhuma."
O poeta resume assim, sem dizê-lo, a história da arte da pintura de paisagem, uma história da passagem da arte com filosofia para a arte sem filosofia. Esta exposição – a segunda de quatro mostrando a Coleção do MASP sob novo ângulo – é ocasião para reaprender a ver este gênero central da arte ocidental e desaprender outras tantas coisas.
Serão expostas 70 obras, produzidas entre o século XVII e a década de 80. A mostra, que tem o patrocínio da Mercedes-Benz do Brasil, ocupará duas salas da galeria do 2º andar do museu e possibilitará ao público visitante apreciar obras de períodos distintos, do clássico ao moderno, européias e brasileiras, lado a lado.
Trabalhos de Pablo Picasso, Van Gogh, Matisse e Monet, além de artistas brasileiros como Benedicto Calixto, Carlos Prado, Guignard e Almeida Júnior fazem parte do acervo que será exposto em sete grupos distintos - grandes paisagens, arborescências, parques e jardins, marinhas, paisagens urbanas, interiores e naturezas-mortas.
Assim como na exposição A Arte do Mito – primeira exposição com leitura temática do acervo – o público poderá ter uma visão compreensiva com textos explicativos sobre obras específicas da mostra e também seus conjuntos.
O Castelo de Caernarvon (1830-35), de William Turner; Rochedos de L´Estaque (1882-85) e O Grande Pinheiro (1892-96), de Cézanne; Passeio ao Crepúsculo (1889-90), de Van Gogh, e Igreja de Tarrassa (c.1914), de Torres-Garcia, são algumas das obras que ganharam uma abordagem especial na exposição.