As Guerrilla Girls se definem como um grupo de ativistas feministas que “usam fatos, humor e imagens ultrajantes para expor os preconceitos étnicos e de gênero, bem como a corrupção na política, na arte, no cinema e na cultura pop”. Constituído por ativistas anônimas, e conhecido por usar máscaras de gorila em suas aparições públicas, o grupo foi formado em 1985 em resposta a uma exposição realizada em 1984 no Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York. Com o título International Survey of Recent Painting and Sculpture [Panorama internacional de pinturas e esculturas recentes] e curadoria de Kynaston McShine, essa mostra incluiu 165 artistas, no entanto, apenas treze eram mulheres.
O MASP apresenta uma retrospectiva com 116 trabalhos do grupo, incluindo dois novos cartazes brasileiros, baseados nas obras mais conhecidas das Guerrilla Girls. Esses dois cartazes tratam das dificuldades de ser uma artista em um mundo da arte e uma história da arte dominados pelos homens: As vantagens de ser uma artista mulher (1988/2017), As mulheres precisam estar nuas para entrar no Met. Museum? (1989) e, agora, o recente no MASP? (2017). Este último aborda o contraste entre o pequeno número de artistas mulheres comparado ao grande número de nus femininos da coleção em exibição no Metropolitan Museum de Nova York (5% e 85% em 1989, e 4% e 76% em 2012) e no MASP (6% e 60% em 2017). Embora o MASP apresente números melhores do que os do Met, o resultado seria bem diferente se considerássemos o grande número de nus femininos do modernista brasileiro Pedro Correia de Araújo, em exibição na galeria do segundo subsolo até 18 de novembro.
O discurso que emerge dos cartazes dos últimos 32 anos pode ser enquadrado nos debates sobre as políticas de identidade e sobre o multiculturalismo do final da década de 1980, particularmente nos Estados Unidos. A preocupação com um maior equilíbrio entre mulheres e homens artistas nos cenários da arte moderna e da arte contemporânea se tornou uma constante. Nos museus e na história da arte, muito do interesse renovado nas artistas mulheres, não brancxs ou que trabalham fora do eixo Europa-Estados Unidos ecoa no trabalho das Guerrilla Girls. No Brasil, somos privilegiados por ter uma história da arte dominada por mulheres como as modernistas Tarsila do Amaral e Anita Malfatti e artistas de meados do século 20, como Lygia Clark, Lygia Pape e Mira Schendel, para nomear apenas algumas que têm posição consolidada no cânone da arte. Muito ainda precisa ser feito, particularmente no que se refere a artistas (e curadores) de ascendências africana e ameríndia, bem como de contextos sociais menos privilegiados.
É interessante considerar como o discurso humorado das Guerrilla Girls se articula com questões mais abrangentes e profundas como o eurocentrismo, o privilégio branco, a heteronormatividade e o domínio masculino. Em paralelo às várias e, às vezes, conflitantes ondas de feminismos e políticas LGBT e aos movimentos negro e indígena, ainda é importante trabalhar em direção a uma aliança múltipla, diversa e plural entre as minorias oprimidas pela supremacia branca, masculina, heterossexual e socialmente privilegiada. Não se trata de fundir esses discursos em uma massa única e homogênea, mas de desenvolver uma prática que crie espaços e plataformas para que muitos expressem suas ideias, necessidades, desejos e culturas. Bem como mostrem sua arte.
CURADORIA Adriano Pedrosa, diretor artístico, MASP; Camila Bechelany, curadora-assistente, MASP.