O Museu de Arte de São Paulo em parceria com a Base 7 - que recentemente presentearam o público com Rodin - do Ateliê ao Museu e O Mundo Mágico de Marc Chagall - apresentam Luise Weiss - Passagens e Memórias. Desenvolvida especialmente para o museu, a mostra da artista brasileira, organizada por Ricardo Ribenboim, é composta por 26 pinturas (12 delas inéditas), 21 gravuras, 19 fotografias, uma série de livros, uma série de vídeos, além de textos da autora e de um renomado grupo de críticos e artistas plásticos.
Entre imagens de navios, portos, retratos e cenas de despedidas, a exposição permeia a rotina de viajantes e imigrantes como metáfora à condição essencial da existência humana: a vida como passagem. A fotografia - ponto de partida da mostra e de toda a trajetória de Weiss - tem papel fundamental para a construção dessa atmosfera. Fruto em boa parte do arquivo familiar da artista ou de doações de amigos, as fotografias retrabalhadas compõem as obras presentes na mostra foram registradas desde os anos 40 até os dias atuais: abraços, choros, sorrisos de familiares, amigos ou anônimos trazem ao presente os sentimentos do passado.
A recente série de livros-objetos, produzidos com sobras de fotocópias e fotografias arquivadas, mantém diálogo intenso com as fotos, as pinturas e as gravuras repletas de diluições e sobreposições cromáticas. O vídeo surge como eixo da exposição e dá continuidade ao fascínio de Weiss com a representação visual de questões do tempo e da memória por meio de texturas, mescla de cores, sombra e luz.
Integradas às análises de Ana Maria de Moraes Belluzzo, Evandro Carlos Jardim, Leon Kossovitch, as reflexões de Luise pontuam sua eterna busca pelo entendimento do presente através dos sentimentos do passado.
Esta mostra faz parte de uma série de exposições propostas pelo Conselho Curatorial do MASP, com o papel de dar maior visibilidade à produção artística brasileira.
Texto de Ana Maria de Moraes Belluzzo
Os trabalhos recentes de Luise Weiss demonstram sua plenitude expressiva e nos afetam profundamente. Seu pensamento visual atravessa vários domínios: gravura, fotografia, desenho e pintura, objeto "encontrado" e reconstituído.
Nesta mostra, Luise transita por meios heterogêneos entre a arte e a vida.
Tanto utiliza as propriedades de cada meio por sua vez, para alcançar sentido preciso; quanto incorpora os diferentes meios entre si, favorecendo uma linguagem altamente condensada. É bem provável que sua liberdade no desenho já não possa existir sem o afã da pintura, que as imagens surjam em sua mente já dotadas de dimensões corpóreas. Luise tem a certeza fotográfica da existência de paisagens distantes e possui uma alma de gravadora, capaz de sondá-la em sucessivas escavações.
(...)
Luise lança mão de inúmeras camadas de cor. Desfaz e refaz figuras. Reanima o que parecia no ponto de partida uma foto congelada. Na experiência da artista, a fotografia é provedora de imagens, é dispositivo para preencher ausências, enquanto a pintura e o objeto constroem presenças.
Texto de Leon Kossovitch
Para Luise, a arte não ilustra uma história já escrita, concebe-a. Recusando a estética que subordina a imagem a um discurso suposto autônomo, este vídeo e estas fotos estabelecem-na traçando encruzilhadas de diversas vias de significação. A história, narração de tais cruzamentos, não é, portanto, uma, mas muitas, pois considera o próprio deslocamento entre imagens como historiante.
(...)
O destinatário desta arte não é apenas Luise, são todos os que, em sua obra, testemunham a dor do fragmentário, do transitório, do perdido. A essa dimensão testemunhal se acresce outra, a taumatúrgica, que confere às imagens de Luise potência miraculante.
Não basta à narração imagética o testemunho entendido como compaixão:
inflexível, o desejo da artista opera outra metamorfose, a que miracula os retratos já personalisadores em sua história da humanidade desertada. As sobreposições fotográficas dos retratos desmancham a forma exata, diluindo a fluidez os fechamentos: a morte como enquadramento é apagada pela desde limitação, vida. Há a ação taumatúrgica que dissolve limites, de onde, aliás, as aguadas do vídeo e das fotos, mas também há a que não é só os apaga, como também expõe os retratos ao vento, à água, à Terra, às plantas:
os retratos revivem na natureza, que abre o individual à potências integradas.
(...)
Por isso, o rigor no trabalho das imagens e na contemplação da natureza nunca reverte em virtuosismo, pois esta estética não suporta complacências.
Fugindo, no outro extremo, de objetivismo que instrumentalize a arte, Luise Weiss defende a gravidade de uma invenção em que o contingente aparece vencido pelo necessário.
Texto de Evandro Jardim
Luise Weiss. Do horizonte largo da memória e do indagar constante com interlocutores aparentemente silenciosos emergem essas figuras essenciais.
Matéria prima de seus desenhos e gravuras e de uma plástica que também serve às expressões da subjetividade.
Serenidade afetiva e ímpeto permeiam essa experiência viva com todo o tempo que passa dos fatos e suas histórias ao objeto estético deles conseqüentemente pelas imposições do gesto, pela densidade da trama e nas iluminações pela cor.
Um elo se estabelece entre esse fazer material pleno pela intuição e uma consideração à natureza íntima de todas as coisas. Arte e vida, luz e sombra, penumbra, deslumbramento, retrato.
Texto de Berta Waldman
Poder-se-ia dizer que a obra aqui apresentada de Luise Weiss se situa na tensão entre o provisório e o permanente. De um lado, imagens que partem de fotografias antigas, muitas vezes familiares, buscam alcançar algo que percute do passado para o presente à maneira de um palimpsesto e trazem à tona figuras que, na gravura, se velam e desvelam como sombras entre os veios da madeira, insistindo em permanecer na pintura como uma irrupção perturbadora e fantasmática.
Contradizendo a primeira direção, o provisório palpita em iluminações súbitas em movimento que brotam a partir dos vídeos familiares também antigos. Uma cena de casamento, um homem nadando, um encontro, meninas que caminham, a mulher que gira a cabeça são metonímias que não retomam o todo do qual partiram. Elas passam, se deixam levar pelo tempo, enquanto as primeiras relutam em fixá-lo.
Sobre a artista
Luise Weiss graduou-se em Artes Plásticas na Escola de Comunicações e Artes da USP, onde também concluiu o mestrado e o doutorado. Uma de suas pesquisas resultou na exposição “Saga” apresentada pela Fundação Stickel em dezembro de 2006, além de ter participado de diversas mostras coletivas e individuais trabalhando com gravura, fotografia, pintura e objetos. Atualmente, Luise Weiss é professora titular de Desenho e Gravura no Instituto de Artes da Unicamp e na Universidade Mackenzie.
Serviço Educativo
Como nas mostras compostas por obras do acervo e nas exposições temporárias realizadas pelo MASP, Luise Weiss - Passagens e Memórias terá um programa educativo elaborado especialmente para atender aos visitantes, professores e alunos de escolas das redes pública e privada. As visitas orientadas são realizadas por uma equipe de profissionais especializados. Informações ao público: 3251-5644, r 2112.