Pedro Correia de Araújo é um artista que se encontra no cruzamento entre dois tempos, geografias, escolas: entre os séculos 19 e 20, entre a França e o Brasil, entre o acadêmico e o moderno. Talvez por essa razão tenha sido marginalizado pela história da arte brasileira, algo que esta exposição procura reverter.
De família pernambucana, nasceu em Paris, onde, a partir dos anos 1910, estudou numa escola alternativa de arte, aprendendo a utilizar a geometria na construção de seus trabalhos, como se pode observar em Pureza (1938), pintura na qual o corpo da mulher se estrutura em volumes circulares, quadrados, triangulares ou hexagonais, deixados intencionalmente à mostra.
Não por acaso, o erotismo de sua obra se manifesta como algo racional, matemático. Não se resume a mera tentativa de expressão pessoal – que o artista desprezava –, mas integra um programa amplo e ambicioso.
Em seus trabalhos, o erotismo evita se ocultar sob uma tentativa de estetização do mundo e dos objetos, não é cenográfico ou decorativo (caso das mulatas típicas de seu contemporâneo Di Cavalcanti (1897-1976), por exemplo), mas integra uma matriz geométrica, essa que estrutura a representação de suas figuras – como provam as linhas horizontais, verticais e diagonais deixadas à mostra em alguns de seus desenhos e pinturas.
A seleção de obras enfoca a sensualidade latente que atravessa sua produção da fase brasileira, de 1929 a 1955, ressaltando, no entanto, a presença do erotismo não apenas nos nus ou na série de desenhos sexualmente mais explícitos, mas também e especialmente nos demais núcleos, formados pelas representações de retratos femininos de caboclas, índias, negras e mulatas, e danças brasileiras, como em Jongo (sem data), seu trabalho mais singular e extraordinário.
Em Mulheres na Lapa (sem data), o vigor do corpo das figuras femininas que estão em primeiro plano é assombrado pela presença iminente da chegada da morte, simbolizada por um esqueleto, que as observa da janela, em segundo plano, à esquerda. A ideia de finitude da vida e do corpo, presente na história da arte, também se revela em Mulata e São Sebastião (sem data) por meio de uma natureza-morta representada no canto inferior esquerdo da tela.
Apesar de suas muitas pinturas de nus e de prostitutas, o artista nunca foi seduzido pela possibilidade do voyeurismo banal, e fez de suas mulheres figuras complexas e repletas de caráter, verdadeiras representações de força e segurança, características que se podem observar em Moça com flor (1937), Mulata e os arcos (1939), Cabocla (sem data) e outras obras apresentadas nesta exposição.
CURADORIA Fernando Oliva, curador, MASP.