À luz dos estudos decoloniais e da ampliação dos limites da história da arte, reitera-se a necessidade de propor uma leitura do barroco como forma de pensamento e de expressão trans-histórica, não apenas referindo-se a um período ou a um estilo artístico. A partir dessas matrizes transdisciplinares, este curso busca apresentar e discutir o panorama do barroco brasileiro em três momentos das histórias brasileiras. O primeiro, no século XVIII, busca analisar a produção de pintura, escultura e arquitetura no Brasil, não somente nos usuais polos, como Minas Gerais e Bahia, mas também na Amazônia, no sertão nordestino e no sul brasileiro. O segundo momento, no século XX, trata sobre as interpretações e valorizações do barroco na consolidação histórica e cultural de uma identidade efetivamente brasileira, em torno da Semana de Arte Moderna de 1922, da criação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1937, da divulgação da arquitetura brasileira pelo mundo e da publicação de importantes obras historiográficas que buscavam documentar e analisar essa produção. Por fim, objetiva-se discutir as reverberações contemporâneas sobre temas muito caros ao barroco a partir de uma perspectiva híbrida e decolonial, como nas obras de Anna Bella Geiger, Bené Fonteles e Adriana Varejão.
IMPORTANTE
As aulas serão ministradas online por meio de uma plataforma de ensino ao vivo. O link será compartilhado com os participantes após a inscrição. O curso é gravado e ficará disponível aos alunos durante cinco dias. Os certificados serão emitidos para aqueles que completarem 75% de presença.
Aula 1 - 9.5.2022
Barroco: estrutura híbrida, ambígua e contraditória
Na primeira aula do curso, buscamos dissecar o barroco a partir de princípios que pautaram suas produções artísticas, mas que transbordam seus limites cronológicos e estilísticos impostos por uma historiografia positivista e obsoleta. Dessa forma, constitui-se um corpo de pensamento e de operação do barroco, que funciona trans-historicamente e que, de forma sintomática, reaparece em muitos outros momentos da história. Relacionaremos de que modo a teoria do barroco pode se conectar com a sociedade pluricultural brasileira.
Aula 2 - 16.5.2022
Ouro, madeira e sangue: o barroco em Minas Gerais
Analisaremos, nesse encontro, obras de Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho), Manoel da Costa Ataíde, Joaquim José da Natividade, Francisco Xavier de Brito e João Nepomuceno Correia e Castro. A partir da produção desses artistas, pode-se perceber um panorama da pintura, da escultura e da arquitetura no cenário mineiro, refletindo uma rápida expansão urbana e do uso da arte atrelada à religião como instrumento colonizante em uma sociedade plural que vivia uma excitação tumultuosa em torno do ouro.
Aula 3 - 23.5.2022
Índios, negros, italianos e a efervescência do Grão-Pará: o barroco na Amazônia
Nessa aula, abordaremos a produção da arquitetura e de suas artes aplicadas na Amazônia a partir de duas referências principais: as oficinas artísticas dos jesuítas, produtoras de obras culturalmente híbridas, que importavam mestres artísticos da Europa e utilizavam mão-de-obra indígena, negra e mestiça, em muitos casos escravizada; e a produção do arquiteto bolonhês Antônio José Landi no Pará. Essa produção era regida por novos personagens na política e na monarquia portuguesa, tanto na Colônia quanto na Coroa, no que se chama de “Lisboa pombalina”.
Aula 4 - 30.5.2022
Recepções de tradições estrangeiras na primeira costa: o barroco no Nordeste
Os encontros políticos conflituosos das tradições artísticas europeias com as culturas ameríndias, negras e mestiças serão analisados nesse encontro sobre o barroco no Nordeste. De que forma, então, esse repertório híbrido era constituído, com suas dinâmicas de adaptação e reinterpretação de modelos arquitetônicos e artísticos importados? Com produções extremamente ricas, tanto nas grandes cidades-sede da administração colonial quanto no interior, abordaremos as obras resultantes dos intercâmbios e hibridismos culturais de uma região que vivia dinâmicas próprias com Portugal e com a África.
Aula 5 - 6.6.2022
Missões jesuíticas, guerras e propagandas: o barroco no Sul e no Sudeste
Na quinta aula do curso, analisaremos o papel decisivo da atuação da Companhia de Jesus no Sul e no Sudeste do Brasil, não apenas nas suas produções artísticas e arquitetônicas, mas também em suas estruturas educacionais, políticas e propagandísticas nessas regiões. Estudaremos como, em muitos pontos, conectavam-se com correntes europeias, como a conquista de território, a catequização de povos nativos e a solidez institucional da Ordem, ao mesmo tempo que se flexibilizavam, em alguns aspectos, para a maior penetrabilidade na sociedade brasileira.
Aula 6 - 13.6.2022
Barroco como estruturador da identidade modernista brasileira
Como provar para o mundo que o Brasil tem “quatro séculos de história”? Numa postura crítica à estrutura eurocêntrica que sustentava esse questionamento, abordaremos a fundação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e sua relação com Mário de Andrade; Lúcio Costa e o estudo da arquitetura jesuítica brasileira; Oswald de Andrade e o movimento antropofágico; e o barroco brasileiro na exposição “Brazil Builds: architecture new and old, 1652-1942”, no MoMA (Museum of Modern Art) de Nova Iorque.
Aula 7 - 20.6.2022
Incisão no corpo e na terra: Anna Bella Geiger e Bené Fonteles
Analisaremos, nesse encontro, as operações estruturais de descentralização cultural e da possibilidade de uma arte brasileira multicêntrica nas obras de Anna Bella Geiger e Bené Fonteles. Os dois artistas contemporâneos brasileiros atuam em múltiplas plataformas questionando o corpo, a história, a natureza, a geografia, a identidade brasileira e a crise das estruturas binárias como centro-periferia, nativo-alienígena, matéria-ideia, corpo-paisagem e natural-artificial. Retomam o legado colonial brasileiro para a construção de uma arte inquieta, complexa e movimentada, princípios de um barroco operado trans-historicamente pelos artistas.
Aula 8 - 27.6.2022
Ilusão trans-histórica: Adriana Varejão
Como podemos ler, na contemporaneidade, as contribuições das culturas ameríndias, africanas, asiáticas e mestiças, através dos complexos processos de transculturação que se manifestaram no barroco brasileiro? A partir desse questionamento, em um movimento de revisão histórica e narrativa, analisaremos a obra de Adriana Varejão e suas provocativas manobras de engano e ilusão, máximas barrocas, no estabelecimento de um contrafluxo decolonialista. Pensaremos, portanto, a criação de ruínas, a dilaceração da carne e a dobra de uma estrutura colonial a partir de uma pungente crítica estrutural e política.
Mateus Nunes é Doutorando em História da Arte pela Universidade de Lisboa. Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Desenvolveu período de doutorado sanduíche na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP), em que é pesquisador visitante e professor convidado. É pesquisador integrado do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (ARTIS/IHA-FL-UL), com pesquisa sobre hibridismos e intercâmbios culturais da produção artística e arquitetônica da Companhia de Jesus na Amazônia Colonial. Concentra-se também em estudos transdisciplinares sobre teoria da arte e arte contemporânea paraense. Foi professor do MASP Escola no curso Arte contemporânea paraense: hibridismos, imagens e poéticas, em 2021.